Crítica: 2020 Nunca Mais

Death to 2020, EUA/Reino Unido, 2020



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★★★★☆


Quando a Netflix anunciou um especial de fim de ano realizado pelos criadores de Black Mirror, muita gente esperava mais uma produção no universo da série, como o filme Bandersnatch (comentário aqui). Porém, o que Charlie Brooker preparou foi um especial de comédia que lembra muito mais as produções que ele fazia antes da antologia de ficção científica. 2020 Nunca Mais é um mocumentário semelhante às retrospectivas anuais que ele fez entre 2008 e 2016, consideradas parte da série Screenwipe. O mesmo formato era utilizado nas séries Newswipe e Weekly Wipe, todas comissionadas pela BBC.

O mais recente episódio especial de Screenwipe, intitulado Antiviral Wipe e lançado em maio de 2020, foi dedicado a pandemia de COVID-19. Talvez seja por isso que 2020 Nunca Mais dê menos ênfase à pandemia e mais a eventos como a eleição americana e os protestos do movimento Black Lives Matter. Feita por um britânico para uma empresa dos EUA, essa retrospectiva é inteiramente focada nos eventos dos dois países e faz menções muito rápidas a quaisquer outros.

Enquanto nas séries anteriores Brooker também fazia o papel de narrador e apresentador, dessa vez sua voz só aparece quando ele faz perguntas para os personagens entrevistados. Nas séries anteriores, personagens como Barry Shitpeas (Al Campbell) e Philomena Cunk (Diane Morgan) faziam rápidos comentários representando as (absurdas) opiniões das pessoas normais. A personagem de Diane Morgan ficou tão popular que rendeu duas séries (Cunk on Britain e Cunk & Other Humans on 2019) e dois especiais de comédia (Cunk on Shakespeare e Cunk on Christmas) nos últimos anos. Em 2020 Nunca Mais, Morgan interpreta a “pessoa normal” Gemma Nerrick, enquanto Al Campbell divide a direção com Alice Mathias.

Dessa vez, a narração de Laurence Fishburne e os personagens interpretados por estrelas como Samuel L. Jackson, Hugh Grant e Lisa Kudrow aumentam o apelo internacional da retrospectiva. O elenco é completo pelos atores e comediantes Tracey Ullman, Cristin Milioti, Kumail Nanjiani, Joe Kerry, Leslie Jones e Samson Kayo. O trabalho de todos eles é facilitado por mais um incrível roteiro de Brooker, que segue a qualidade das séries anteriores e surpreende o espectador mesmo quando está abordando eventos que nós sabemos muito bem como aconteceram.

Dentre as personagens, os destaques vão para as interpretadas por Lisa Kudrow e Cristin Milioti. A “porta-voz não-oficial” Jeanetta Grace Susan (Kudrow) é uma perfeita manifestação da era do “pós-verdade”, fazendo hilárias afirmações categóricas sem nenhuma base factual ou o menor vestígio de evidências, além de se contradizer repetidamente e agir como se coisas que acabaram de acontecer não tivessem acontecido. Já Kathy Flowers (Milioti), uma dona de casa que se considera uma pessoa normal e razoável, acredita firmemente em teorias da conspiração da Internet e tem uma grande dificuldade em esconder o próprio racismo.

Com 2020 Nunca Mais, os criadores Charlie Brooker e Annabel Jones conseguem a façanha de arrancar risadas do espectador durante uma retrospectiva do péssimo ano de 2020, fazendo-nos esquecer por alguns instantes de que 2021 promete ser, no máximo, um pouco menos ruim. Fica então a esperança de que a Netflix não apenas encomende mais especiais como esse, mas também expanda o escopo das retrospectivas para cobrir mais partes de sua audiência global.