Crítica: Nova Ordem
Nuevo Orden, México/França, 2020
Filme mostra com violência e crueza várias das possibilidades abertas por uma possível revolução popular
★★★☆☆
É difícil dizer qual exatamente é a mensagem que o diretor Michel Franco está tentando passar com Nova Ordem, mas de alguma forma ela se perde em meio a um amontoado de situações extremas decorrentes de um violento levante popular. Dentre as muitas interpretações possíveis, o filme pode ser visto tanto como um alerta contra a desigualdade social quanto como um alerta contra protestos populares. Dessa forma, a narrativa permite não apenas que cada espectador chegue às próprias conclusões, mas também que cada um escolha exatamente quais são os grandes “vilões” da narrativa.
Por um lado, o filme é bem-sucedido em contrapor a ideia romantizada de revolução popular. Enquanto muitos ativistas acreditam que um levante como esse uniria as pessoas pobres e as levariam a tomar o poder, o mais provável é que a violência generalizada levaria apenas ao caos. E, no caos violento, é o pior da natureza humana que vem à tona. A queda da ordem civil não leva automaticamente ao surgimento de uma nova ordem civil, mas sim à tomada do poder por quem já possui algum tipo de poder, seja ele financeiro, militar ou social. Enquanto esse caos seria um pesadelo para boa parte da população (inclusive para os mais pobres), ele seria uma oportunidade para os “abutres” que sempre sonharam com uma zona de guerra urbana como essa.
E nem é preciso usar a imaginação para se chegar a essas conclusões. Execuções sumárias e violência sexual são elementos inerentes a qualquer zona de guerra na qual exista a presença de civis. Mesmo conflitos “modernos” como as guerras no Iraque e no Afeganistão produziram eventos chocantes como a Tortura em Abu Ghraib, os assassinatos na província de Kandahar e o Massacre de Mahmudiyah. No Sudão, a violência sexual cometida contra homens, mulheres e crianças não apenas foi usada como arma de guerra, mas também como técnica de intimidação contra manifestantes.
Por outro lado, o roteiro de Nova Ordem também desconsidera o que há de melhor na natureza humana. Pessoas comuns não se tornam revolucionários assassinos do dia para a noite, a ponto de saírem matando e roubando gente que faz parte da sua rotina diária. Por mais que o ressentimento seja real, o poder da empatia também é difícil de ser superado. Depois de uma série de entrevistas com soldados, o general americano S. L. A. Marshall concluiu que menos de 25% deles chegavam a disparar suas armas em combate, tamanhas eram as forças psicológicas que os tornavam aversos a tirar a vida de uma outra pessoa.
Essas são apenas algumas incongruências no roteiro de Nova Ordem, mas a produção não está interessada em detalhes ou nuances. Ainda assim, o cenário distópico que se forma lembra ocorrências como a Revolução Egípcia de 2011 e a prisão de príncipes sauditas em 2017. O que o filme não lembra é o oscarizado Parasita (crítica aqui), que lida de forma muito mais rica e profunda com as questões sociais. O filme de Franco poderia ter ido nessa direção depois de uma ótima abertura, mas o foco aqui realmente é a violência.
Mais um exemplar da atual leva de filmes e séries que abordam desigualdades sociais e levantes populares, Nova Ordem funciona muito bem como veículo de choque e desconforto, mas falha em deixar claras suas intenções. Essa incerteza acaba esvaziando a maioria das mensagens políticas e deixando a produção semelhante a filmes de terror que buscam apenas chocar a audiência. Porém, também existe a possibilidade de Franco ter sido muito bem sucedido em passar sua mensagem, que talvez se resuma à frase colocada no epílogo do filme: “Só os mortos veem o fim da guerra.” (George Santayana)
* Assistido online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo