O Labirinto da Existência na Terceira Temporada de Dark


* Contém SPOILERS da terceira temporada de Dark

O que sabemos é uma gota; o que ignoramos é um oceano.
Isaac Newton

A temporada final de Dark consegue solucionar todos os mistérios estabelecidos desde o primeiro episódio da série, mas para isso os criadores Baran bo Odar e Jantje Friese tornam a mitologia ainda mais ampla e complexa, adicionando novos mundos e introduzindo a física quântica na mistura. Agora é finalmente possível entender a completa árvore genealógica das quatro famílias no centro da trama, apesar de ainda ser necessário um pouco de esforço para fazê-lo.

Uma das principais revelações é a origem de Noah (Mark Waschke) e Agnes (Antje Traue), que são filhos de Bartosz (Paul Lux) e Silja (Lea van Acken). Isso significa que Noah, ao matar a Claudia do futuro (Lisa Kreuzer) na segunda temporada, matou a própria bisavó (Claudia, mãe de Regina, é avó de Bartosz). Isso também implica que Noah e Agnes são sobrinhos de Jonas (Louis Hofmann), já que Silja também é filha de Hannah (Maja Schöne), fruto de um caso com Egon (Sebastian Hülk) em 1954. Mas Egon também é pai de Claudia, o que significa que ele é, ao mesmo tempo, avô (por parte de Silja) e tataravô (por parte de Bartosz) de Noah e Agnes. Vale lembrar que, em 1954, Agnes teve um caso amoroso com Doris (Luise Heyer), esposa de seu tataravô Egon.

Como pode ser visto no parágrafo anterior, a viagem no tempo complicou significativamente as relações familiares na pequena (e fictícia) cidade alemã de Winden.

Enquanto a segunda temporada adicionou novos períodos na trama (1921 e 2053), a terceira adicionou um novo período (1888) e um novo mundo, que está intrinsecamente ligado ao mundo que vimos nas primeiras temporadas. A diferença é que nele Jonas não existe, o que serviu para resolver uma das grandes “pendências” da série: o fato de que o par romântico central, Martha (Lisa Vicari) e Jonas, são tia e sobrinho. Já que Jonas não existe lá, a Martha do novo mundo não possui nenhuma relação de parentesco com ele, enquanto a Martha do mundo de Jonas morreu no dia do apocalipse.

Mas esse novo mundo também adicionou uma grande confusão de planos, objetivos, mentiras e versões dos mesmos personagens, a ponto de em determinados momentos ser difícil lembrar a exata quantidade de “Marthas” que estamos acompanhando ao longo do espaço e do tempo. Felizmente, tudo isso é muito bem amarrado nos dois episódios finais, que explicam a origem dos personagens mais misteriosos e preenchem a narrativa de como os jovens de 2019 se tornaram os adultos espalhados entre os anos de 1888 e 2054. A única questão é que para realmente entender tudo é necessário saber o básico de física quântica.

Paralelo Quântico

A ideia de universos paralelos também já foi explorada em séries como Sliders: Dimensões Paralelas, Rick and Morty e Counterpart. Nessa última, um pacato burocrata da ONU não apenas descobre que seu setor é responsável por guardar uma passagem (criada na Berlim de 1987) para um universo quase idêntico ao seu, mas também que os dois universos estão há anos travando uma verdadeira “guerra fria”, permeada por tensões militares e por espiões capazes de assumir as identidades de suas contrapartes no mundo rival. Há uma tensão semelhante com o Universo Espelho da franquia Star Trek, recentemente explorado na primeira temporada da série Star Trek: Discovery (comentário aqui).

A relação entre viagem no tempo e universos paralelos não é incomum. Uma das interpretações da ideia de viagem no tempo é de que uma verdadeira viagem no tempo não é possível. O que acontece quando alguém viaja para o passado é que essa viagem dá origem a uma nova linha do tempo, ou um novo universo, no qual os eventos transcorrem de forma diferente do original. Dessa forma, a linha do tempo original permanece inalterada, enquanto as alterações realizadas pelo viajante só ocorrem no novo universo.

Essa interpretação é parcialmente adotada na terceira temporada da série Legion (análise aqui) e no enigmático filme Donnie Darko, que até hoje gera especulações. Uma abordagem mais convencional (com uma linha do tempo única) pode ser vista na franquia De Volta Para o Futuro e no cult (e fantasticamente complexo) filme independente Primer.

Em suas duas primeiras temporadas, Dark parece funcionar com base em uma linha do tempo única. Mas a terceira temporada mostra que, além de um universo alternativo, há um ponto de ligação entre os dois universos no qual as linhas do tempo podem divergir: o apocalipse de 2020. Por exemplo, na versão dele que vimos no final da segunda temporada, a Martha do mundo alternativo aparece para resgatar Jonas. Porém, na terceira temporada, aprendemos que existem outras versões desse mesmo momento e que, inclusive, foi a partir de uma delas (quando Martha é interrompida por Bartosz e Jonas corre para o porão) que surgiu o Jonas “Estranho” (Andreas Pietschmann), que não sabe nada sobre a existência do universo paralelo.

Essas interpretações se assemelham às interpretações da física quântica exploradas na minissérie Devs (análise aqui), que pode ajudar os fãs de Dark a entender as teorias que o professor Tannhaus (Christian Steyer) explica no início do sétimo episódio da terceira temporada. Devs não possui viagem no tempo ou universos alternativos, mas ainda assim sua trama pode dar um nó na cabeça do espectador.

O mesmo vale para séries como Westworld (análise aqui) e True Detective (análise aqui), que se assemelham a Dark tanto por seus “labirintos narrativos” quanto na forma com a qual exploram o lado sombrio da condição humana. Você já questionou a natureza da sua realidade?

A Escuridão da Existência

É muito apropriado que a terceira temporada de Dark tenha início com uma citação de Arthur Schopenhauer, o filósofo alemão pessimista por excelência. A série inteira é permeada pela típica melancolia alemã, com vários monólogos explicitando as angústias da existência e das prisões nas quais estamos e nas quais nos colocamos; a angústia do prisioneiro que é o seu próprio carcereiro e que, ainda assim, é incapaz de girar a chave e alcançar o incompreensível estado que chamamos de “liberdade”, ou de “felicidade”.

Essa prisão é formada não apenas pelos ciclos temporais, mas acima de tudo pelos ciclos comportamentais. O tempo pode seguir em frente, sempre em linha reta, mas nós estaremos sempre obcecados com os eventos de um passado remoto e sempre cometendo novas versões dos mesmos erros. Nos melhores casos, podemos ao menos aprender com eles e errar de forma diferente em cada iteração, mas dificilmente saímos do ciclo. As grades dessa prisão são formadas pelo apego que temos pela nossa dor e pelas nossas cicatrizes, marcas que carregamos e que parecem nos definir.

E é por isso que Adão (Dietrich Hollinderbäumer) e Eva (Barbara Nüsse), versões cansadas e endurecidas de Jonas e Martha, tentam a todo custo encontrar um equilíbrio em suas condições. Enquanto ela se agarra a poderosos instintos maternais e busca, apesar do sofrimento, perpetuar o ciclo temporal por toda a eternidade, ele se entrega a uma feroz pulsão de morte e pretende acabar de uma vez com tudo aquilo. O paraíso que ele promete para seus angustiados seguidores é o paraíso da inexistência. Ele busca a sombria e agradável sensação que Hannah descreve nos momentos finais do último episódio:

Só ficou escuro e nunca mais clareou. Tive uma sensação muito estranha. Como um alívio. De que tudo tinha acabado. Como se, de repente, estivesse livre de tudo. Nenhum desejo. Nenhuma obrigação. Escuridão infinita. Sem ontem. Nem hoje. Nem amanhã. Nada.

Para uma série que lida com a escuridão da alma humana e com a nossa busca por amor e compreensão enquanto fugimos da dor, das frustrações e dos arrependimentos, Dark tem uma ótima trilha sonora. Além da fantástica canção da abertura, as temporadas anteriores nos apresentaram canções como My Body is a Cage, Me and the Devil e God’s Whisper. Na terceira temporada, o destaque vai para a incrível The Labyrinth Song. Mas, por aqui, vamos ficar com a canção que encerra tanto o primeiro quanto o último episódio de Dark.