Crítica: Sympathy for the Devil (Simpatia pelo Diabo)
Sympathie pour le Diable, França/Bósnia, 2019
Cinebiografia do jornalista francês Paul Marchand também é um tenso e envolvente drama de guerra
★★★★☆
Talvez Sympathy for the Devil não mostre o jornalista francês Paul Marchand (Niels Schneider) escutando aquele sucesso dos Rolling Stones por alguma questão de licenciamento, mas essa era uma das canções que tocavam no rádio da lata velha que ele dirigia em alta velocidade pelo “corredor dos snipers” de uma Sarajevo sitiada em 1992. Talvez ele contasse com o despreparo dos franco-atiradores ou com a frase “Não atire, desperdício de balas. Eu sou imortal.” escrita na lataria do carro, mas o mais provável é que ele o fazia mais pela adrenalina do que pelas chances de sobrevivência.
Ou talvez a canção não seja utilizada por não se encaixar no tom apropriadamente sério e sombrio adotado pelo diretor Guillaume de Fontenay nessa cinebiografia que também é um drama de guerra. Adaptado de um livro de autoria do próprio Marchand e filmado inteiramente na própria cidade, a narrativa mostra parte do trabalho e da vida de jornalistas e moradores durante o Cerco de Sarajevo, que durou quase quatro anos durante a Guerra da Bósnia.
O diretor consegue equilibrar bem o contraste entre a casualidade do dia a dia dos jornalistas e os horrores de guerra que eles estavam cobrindo. Mas enquanto a maioria tenta manter um certo distanciamento emocional para conseguir manter a sanidade, Marchand vai um pouco mais longe e cruza a linha entre observador e participante. Com o tempo, o que era pra ser uma estadia de trabalho se transforma em moradia e envolvimento com a comunidade local.
Se a busca por adrenalina é o motor inicial que o coloca naquela zona de guerra, é a raiva e frustração diante da inação da comunidade internacional que o mantém engajado e o leva a se envolver de forma mais ativa no conflito. Enquanto as Forças de Paz da ONU assistiam passivamente, franco-atiradores aterrorizavam civis nas ruas da cidade (como pode ser visto aqui, aqui e aqui) e a violência chegava cada vez mais perto do círculo social de Marchand, que incluía o fotógrafo Vincent (Vincent Rottiers) e a tradutora Boba (Ella Rumpf).
Foi apenas após os terríveis massacres de Srebrenica e Markale que a OTAN adotou ações militares mais incisivas, resultando na retomada de negociações e eventual fim do conflito em 1995. Até lá, milhares de civis foram vítimas de crimes de guerra, como limpeza étnica e estupros em massa. Esse é o tipo de conflito armado alimentado pelo extremismo que traz à tona o que há de mais sombrio e cruel na natureza humana.
Ainda assim, Sympathy for the Devil está mais próximo do drama mostrado em Bem-Vindo à Sarajevo do que da crueza marcante de Savior: A Última Guerra, ambos sobre a Guerra da Bósnia. Em Savior, tanto o drama quanto a violência são viscerais a ponto de levar o espectador a refletir não apenas sobre a estupidez humana mas também sobre a natureza e a fragilidade das nossas existências. Uma vez que as regras da civilidade e do estado de direito são substituídas pelo ódio e pelo desprezo pela vida humana, não parece haver nada sagrado ou divino nos protegendo uns dos outros.
Apesar de um ritmo irregular, Sympathy for the Devil jamais deixa a tensão se arrefecer e mantém o espectador alerta em todos os momentos. Assim como o próprio Marchand, o filme começa com uma injeção de adrenalina e vai lentamente se tornando mais maduro e reflexivo, o que serve tanto como uma homenagem ao homem quanto como uma lembrança de um dos mais sangrentos conflitos da idade moderna.
Após seu suicídio em 2009, um amigo homenageou a vida e trajetória de Marchand com a canção After All The Battles, mas talvez seja mais apropriado nos lembrarmos do hino anti-guerra Gimme Shelter ou daquele outro sucesso.
* Assistido na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo