Crítica: Mr. Jones (A Sombra de Stalin)

Mr. Jones, Polônia/Ucrânia/Reino Unido, 2019



Trajetória do jornalista Gareth Jones lida com um momento chave do Século 20 e reflete alguns dos maiores problemas enfrentados no Século 21

★★★★☆


Com uma abordagem tão impactante quanto convencional, a diretora Agnieszka Holland conta a história de como o jornalista galês Gareth Jones (James Norton) descobriu e reportou a Fome Soviética de 1932 e 1933. Enquanto mostra o jovem e ingênuo jornalista em sua incansável busca pela verdade, Mr. Jones também faz um panorama parcial da situação geopolítica do mundo durante a primeira metade da década de 1930. Aquela peculiar situação, que logo resultaria na Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, na Guerra Fria, possui muitas semelhanças com o atual estado político e econômico do mundo.

Naquela época, enquanto as economias ocidentais tentavam se recuperar da Grande Depressão e a Alemanha ia sendo gradualmente tomada pelo nazismo, a União Soviética era um interessante e cobiçado parceiro econômico. O “grande experimento” comunista parecia ser o caminho para o futuro. Simpatizantes ocidentais depositavam nele suas esperanças para evitar as fragilidades do capitalismo e o avanço do autoritarismo nazista.

Enquanto muitos especialistas ainda viam o nazismo como um movimento sem futuro político, liderado por uma figura incompetente e excêntrica, Jones já conhecia parte dos planos de expansão do Terceiro Reich e as altas probabilidades de uma nova guerra mundial. Ele via na União Soviética a possibilidade de uma aliança estratégica para conter uma eventual expansão nazista, e partiu para Moscou com o intuito de desvendar qual era o segredo do aparente milagre econômico promovido por Stalin.

Algumas curvas depois, ele vai parar no interior da Ucrânia, uma terra arrasada pela catástrofe econômica interna causada pelas políticas do governo soviético. Enquanto na capital a vida seguia tranquila e luxuosa para os apoiadores do regime, nas periferias a fome deixava milhões de mortos e desesperados. A coletivização forçada das fazendas da região se combinou com um conjunto de fatores humanos e naturais para causar uma escassez de alimentos que mataria milhões de pessoas. Alguns historiadores defendem que a situação foi gerada deliberadamente por Stalin para punir a rebeldia dos ucranianos, causando assim um Holocausto Ucraniano.

Quando volta para reportar seus achados, Jones tem que lidar com o descrédito promovido pela União Soviética. Stalin contava com a ajuda de colaboradores ocidentais, como o jornalista Walter Duranty (Peter Sarsgaard), e o que hoje chamaríamos de fake news. Isso mostra como, desde a primeira metade do Século 20, os governos soviéticos já estavam dedicados à supressão da verdade. Um dos últimos esforços nesse sentido pode ser conferido na aclamada minissérie Chernobyl, sobre a qual escrevi brevemente aqui.

A verdade é que a história contada por Jones também era muito inconveniente tanto para governos ocidentais quanto para simpatizantes da ideia do “paraíso comunista” propagada pelos soviéticos. O escritor George Orwell (Joseph Mawle) estava entre os pensadores que ficaram desiludidos com a visão trazida pelo galês. O filme abraça completamente a tese de que Orwell foi influenciado pelas reportagens de Jones para compor parte de seu trabalho, especialmente o aclamado clássico A Revolução dos Bichos.

A história de Mr. Jones também dialoga com filmes como A Morte de Stalin (crítica aqui) e Crimes Ocultos. O primeiro satiriza o processo de sucessão do poder que ocorreu nos dez meses seguintes à morte do ditador, durante os quais seus subalternos competiram entre si para se mostrarem mais benevolentes que o falecido. Já Crimes Ocultos é protagonizado por um dos sobreviventes do Holocausto Ucraniano, que carrega para sempre as marcas de uma infância traumática.

Em Mr. Jones, o convencional mas habilidoso estilo narrativo adotado pela diretora jamais se torna cansativo. Quando não está apresentando novos acontecimentos ou revelações, a narrativa está focada nas ideias e conversas entre Jones e uma rica gama de personagens, como a jornalista Ada Brooks (Vanessa Kirby) e o ex-primeiro-ministro britânico Lloyd George (Kenneth Cranham). Por mais burocrática que essa abordagem possa ser, ela jamais se torna previsível e nem tira o brilho das inspiradas atuações de Norton, Kirby e Sarsgaard.

Talvez o filme se beneficiaria de uma narrativa mais original e engenhosa, ou talvez isso seria apenas uma distração. Esse é o tipo de história que precisa ser contada menos pelo seu valor como entretenimento e mais pela sua relevância histórica. Mr. Jones também é válido como homenagem e reconhecimento a um jovem e ingênuo jornalista que ajudou a mudar o curso da História.

* Assistido na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo