Crítica: Projeto Gemini
Gemini Man, EUA, 2019
Apesar dos interessantes aspectos técnicos, é Will Smith quem evita que Projeto Gemini seja uma completa decepção
★★★☆☆
Projeto Gemini é o equivalente a um bom filme de ação dos anos 1990. O roteiro, que esteve em desenvolvimento desde 1997, segue uma fórmula bem previsível e não deve impressionar ninguém. Porém, a direção de Ang Lee e a atuação de Will Smith conseguem elevar o material a ponto do filme não ser uma completa decepção.
As revolucionárias inovações tecnológicas apresentadas são impressionantes, mas também fontes de distração. Por exemplo, em muitas das cenas externas, fica claro que se trata de (ou, pelo menos, parece ser) composição com chroma key. Isso torna questionável todo o propósito do uso da tecnologia: vale a pena fazer tanto esforço para um resultado desse calibre? Os cenários até ficam mais nítidos e realistas, mas a combinação com os atores não funciona tão bem assim.
Vale ressaltar que assisti ao filme em IMAX 2D e 60fps, que está longe do ideal de 3D + 120fps + 4K recomendado pelo diretor. Mesmo nos EUA, nenhuma sala de exibição é capaz de projetar nesse nível de qualidade, e apenas 14 vão exibir o filme em 3D + 120fps + 2K.
O aspecto tecnológico mais positivo foi o fantástico rejuvenescimento de Will Smith. O visual ainda não está 100% perfeito, mas a partir de determinado ponto é possível “esquecer” que Júnior (Smith) é um personagem humano inteiramente digital. Não é apenas uma questão de realismo, mas também da captura fiel da ótima atuação do veterano ator, que faz toda a diferença na hora de representar o personagem mais atormentado e angustiado da trama.
Esse nível de qualidade é importante para garantir um outro ponto positivo da produção: para um filme de ação mediano, o aspecto dramático e emocional dos protagonistas é muito bem desenvolvido. O conflito psicológico e as questões éticas e existenciais levantadas são mais interessantes e reflexivas do que se podia esperar. O roteiro pode não ser lá muito afiado, mas as duas atuações de Smith complementam o texto de forma muito satisfatória.
É possível perceber que, ao ser caçado por uma versão mais jovem de si próprio, o assassino profissional Henry Brogen (Smith) tem uma intensa experiência de empatia. De repente, ele está na pele das muitas pessoas que ele caçou e matou, a ponto de saber como é olhar dentro de seus próprios olhos durante uma luta corporal.
Isso contribui significativamente para o arco dramático de Brogen. Justamente quando começa a questionar a própria estabilidade mental (devido ao custo psicológico e emocional de seu tipo de trabalho), ele também descobre que nem todos os seus alvos eram bandidos ou terroristas.
Ou seja, ele foi usado em atividades criminosas promovidas por agentes do Estado, e não apenas em legítimos casos de segurança nacional. Pra completar, ele agora pode olhar nos olhos de uma versão 30 anos mais jovem de si próprio e refletir sobre todas as escolhas que fez e todos os erros que cometeu até chegar aos 50 anos de idade.
Ainda bem que, com Júnior em sua cola, ele não tem tempo para ter um colapso nervoso. Algo semelhante já foi feito no filme Looper: Assassinos do Futuro, que é um filme melhor em termos de ação e ficção científica (em termos de ação no estilo anos 1990, vale a pena conferir também Spectral, uma pequena joia escondida no catálogo da Netflix).
Porém, em Projeto Gemini, é Júnior que sofre o maior grau de stress psicológico. A missão que deveria lhe servir como um rito de passagem se torna um completo pesadelo quando ele descobre a real natureza de sua própria existência e confronta as muitas mentiras contadas por Clay Verris (Clive Owen), o homem que o criou desde pequeno e que ele chama de pai. De repente, todas as informações, sentimentos e experiências que formaram a sua identidade se tornam questionáveis e ele não sabe mais quem ou o quê ele é.
Infelizmente, exceto pelos dois interpretados por Will Smith, todos os outros personagens são unidimensionais e desinteressantes. O material é tão limitado que nem Clive Owen consegue elevar o seu Verris a algo minimamente digno de atenção. Já Mary Elizabeth Winstead e Benedict Wong não tinham a menor chance de fazer algo interessante com personagens que são superficiais demais até para jogos de vídeo game mais sérios. Apenas Ilia Volok, em pequena e divertida participação, consegue dar a seu “personagem secundário genérico” um ar mais leve e original.
Já a ação é ousada e intensa, mas peca por uma problemática falta de realismo. Talvez boa parte disso seja causado pela incompatibilidade entre as tecnologias usadas na filmagem e as que são utilizadas na projeção, dando um aspecto demasiadamente artificial aos movimentos, mas há também algumas decisões equivocadas tomadas pelo diretor.
Além de golpes violentos que nem sempre resultam no estrago esperado (como na cena da perseguição de motos), algumas das lutas corporais são rápidas e escuras demais para se entender o que está acontecendo. No geral, tanto Brogen quanto Júnior parecem ter resistência e habilidades sobre-humanas, o que seria mais adequado em um filme de super-heróis.
Projeto Gemini pode ser um prato cheio para os entusiastas de tecnologias de ponta em filmagem e projeção, mas oferece apenas o básico em termos de ação e suspense. Se não fosse pelo ótimo trabalho de Smith e a profundidade emocional que ele adiciona ao roteiro, o filme estaria condenado a cair rapidamente no esquecimento, o que ainda é uma possibilidade.