Crítica: Doutor Estranho
Doctor Strange, EUA, 2016
Típica história de origem surpreende no aspecto visual
★★★★☆
Em Doutor Estranho, após ter os movimentos das mãos seriamente comprometidos em um acidente de carro, o exímio e arrogante cirurgião Stephen Strange recorre a métodos místicos de cura para poder voltar a exercer sua profissão. Depois de passar por vários tratamentos de ponta, alguns experimentais, ele vai parar no Nepal, diante da Anciã interpretada por Tilda Swinton, que o aceita como discípulo. Um dos pontos fracos do filme é como toda essa introdução é mostrada de forma um pouco apressada, sem dar tempo para o espectador digerir os acontecimentos e o impacto deles. Nesses primeiros 20 ou 30 minutos, o personagem é apresentado principalmente por meio de diálogos expositivos com a doutora Christine Palmer (Rachel McAdams), que são precisos e eficientes, mas que não deixam muito tempo para “entrarmos na pele” dos personagens. O restante do filme gira em torno do treinamento de Strange nas artes místicas com o objetivo de se recuperar, enquanto a Anciã tem planos diferentes para ele.
A introdução apressada é facilmente perdoável, tanto por se tratar de um filme de super-heróis quanto pelo que viria adiante. Em Doutor Estranho, os efeitos especiais não são pura pirotecnia ou exibicionismo, mas sim um elemento vital na apresentação das infinitas possibilidades de um multiverso como nenhum outro visto no cinema. A forma como os feiticeiros dessa nova faceta do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, abreviação do termo em inglês) manipulam o ambiente ao seu redor e conjuram armas formadas de pura energia proporciona cenas de ação que vão deixar muita gente tonta e/ou extasiada. A comparação mais óbvia, e que provavelmente será repetida ad nauseum, é com o visual do filme A Origem. Além de “dobrar” quarteirões de grandes cidades, os dois filmes brincam com a orientação dos cenários e com a gravidade durante cenas de ação. A diferença é que Doutor Estranho eleva essas “maluquices” ao cubo.
A maioria dos personagens de apoio estão muito bons, com exceção da doutora Palmer, que tem tudo pra ser mais uma personagem feminina desperdiçada pelo MCU. Bidimensional e genérica, ela aparece apenas para dar um fundo dramático a Strange ou para fornecer alguns momentos de alívio cômico durante a ação. Mesmo Wong (interpretado por Benedict Wong), o fiel ajudante de Strange nos quadrinhos, tem uma apresentação e desenvolvimento mais interessantes no filme. Tilda Swinton está ótima como a Anciã, apesar de que a edição de suas cenas não a ajuda muito. Apesar de não ser trabalhado profundamente, o vilão Kaecilius (Mads Mikkelsen) é imponente e implacável o suficiente para ser digno desse capítulo inicial. Já o uso de Mordo é ousado e interessante, já que sabemos o lugar dele nas histórias em quadrinhos (o que também é evidenciado em uma das cenas pós-créditos), fazendo com que o filme também sirva como sua história de origem.
E como história de origem, Doutor Estranho funciona melhor que Homem-Formiga e consegue gerenciar bem a maioria as armadilhas desse tipo de filme. Enquanto Homem-Formiga introduz um ar mais leve e cômico ao MCU (que já era leve e cômico durante a Fase 1), Doutor Estranho introduz o aspecto místico com visuais de tirar o fôlego, sendo quase tão empolgante quanto Guardiões da Galáxia. Com o personagem e o universo já apresentados, talvez uma continuação consiga alcançar o mesmo status que o primeiro capítulo dos Guardiões, já que o “prato principal” ficou reservado pra ela: a elevação de Strange a Mago Supremo enquanto enfrenta seu principal vilão.
Como de praxe nos filmes da Marvel, Doutor Estranho avança a trama central do MCU. Nele, é apresentada a quinta das Joias do Infinito e, em uma das duas cenas pós-créditos, revelada parte da trama de Thor: Ragnarok, dando a entender que Strange terá uma participação talvez significativa nesse próximo filme. Esses desenvolvimentos são bem interessantes, mas Doutor Estranho ainda segue à risca a fórmula narrativa da Marvel, uma limitação da qual o estúdio, mais cedo ou mais tarde, vai ter que se livrar para permanecer relevante e não provocar a sensação de estar apenas produzindo mais do mesmo.
Com cenas de ação inovadoras e um final no qual a magia é usada de forma inteligente para derrotar os vilões (ao invés do típico “quebra-pau” até o fim), Doutor Estranho expande o MCU em novas e empolgantes direções. Para o bem e para o mal, ele garante toda a diversão e entretenimento que podemos esperar de um bom (ainda que não “ótimo”) produto Marvel.