Crítica: Bird Box
Bird Box, EUA, 2018
Suspense perde parte de sua força e impacto devido a uma primeira metade problemática
★★★☆☆
Eu prefiro pensar que Bird Box começa de verdade na marca dos 55 minutos e 30 segundos. É desse momento em diante que o suspense realmente engata e a narrativa começa a ganhar contornos mais originais. Em sua segunda metade, a produção consegue concentrar a tensão e o drama da jornada de Malorie (Sandra Bullock) rumo a um lugar seguro em um mundo pós-apocalíptico. O espectador que não tiver tempo a perder pode tranquilamente começar a assistir ao filme a partir desse ponto.
A primeira metade é um show de horrores de diálogos expositivos e excesso de (mal escritos) personagens, desperdiçando os talentos de atores como Sarah Paulson, Jackie Weaver e John Malkovich. O grupo de pessoas que se isola em uma casa depois do ataque de misteriosas entidades (que causam o suicídio daqueles que olham para elas) é terrivelmente genérico e já foi visto em inúmeras outras produções.
Esses personagens e as situações que se seguem são muito familiares: a expedição em busca de recursos que custa a vida de um deles; o personagem egoísta e esquentado que não confia em ninguém; aquele que, convenientemente, consegue dar uma explicação longa e desnecessária para o fenômeno; os dois que não se suportam mas que acabam se envolvendo romanticamente; o traidor que abandona o grupo levando parte dos recursos; e outros que não possuem personalidade e servem apenas como mecanismo de roteiro.
Nem a competente direção de Susanne Bier consegue salvar a porção ruim do material. Ao mostrar os eventos na casa em flashbacks durante a viagem de Malorie, a narrativa dilui a tensão dos problemas enfrentados por ela enquanto vendada em um pequeno barco com duas crianças de cinco anos de idade. Uma abordagem direta e com um crescente nível de tensão transformaria esse em um verdadeiro filme de sobrevivência e seria muito mais satisfatória para o espectador, como pode ser visto em um dos melhores filmes de 2018, Um Lugar Silencioso (crítica aqui).
Um outro filme com o qual é impossível não comparar Bird Box é Fim dos Tempos. Ambos possuem premissas semelhantes (epidemias de suicídios causados por forças desconhecidas) e sérios problemas no roteiro, mas Bird Box consegue se redimir parcialmente durante sua segunda metade, enquanto o fracasso de M. Night Shyamalan vai apenas piorando até simplesmente acabar.
É também na segunda metade que a narrativa de Bird Box reencontra seu centro e foca em Malorie, deixando claro que esse é menos um “filme de monstro” e mais um estudo de personagem. Nesse sentido, o filme se aproxima do drama Ao Cair da Noite (crítica aqui), apesar de não funcionar tão bem quanto ele no quesito terror psicológico. Aquele filme não faz nenhuma tentativa de explicar da onde vem ou como funciona a doença que está causando a queda da civilização, focando apenas nos efeitos causados pelos eventos sobre uma isolada família.
Outro motivo pelo qual o filme funciona parcialmente como estudo de personagem é a fantástica atuação de Sandra Bullock, que em vários momentos consegue elevar a credibilidade do material. Bullock é beneficiada pelo talento dos atores com quem compartilha a tela durante a maior parte do tempo: as crianças Vivien Lyra Blair e Julian Edwards, e Trevante Rhodes, que faz milagres com um personagem que é praticamente unidimensional.
Dada a narrativa que os realizadores resolveram adotar, talvez Bird Box funcionaria melhor como filme de monstro, o que é dificultado pelo fato do espectador jamais ser capaz de enxergar as criaturas ou o que as pessoas veem quando olham para elas. O grande problema aqui é que a história tenta ser muitas coisas ao mesmo tempo, o que a narrativa não consegue concretizar de forma convincente.
Ainda assim, a segunda metade do filme merece ser assistida por realmente conseguir explorar o potencial da premissa. Estranhamente, talvez ela fique melhor ainda se o espectador não assistir a primeira.