Crítica: Jogador Nº 1
Ready Player One, EUA, 2018
Esse é o melhor filme de ação de Steven Spielberg desde Minority Report
★★★★☆
Com um roteiro que pode, no melhor caso, ser considerado “padrão”, Jogador Nº 1 se sustenta com base na ação e nas incontáveis referências à cultura pop dos EUA dos anos 1960 até recentemente, que pode ser considerada a temática central desse filme. Talvez o tema principal que o diretor Steven Spielberg quisesse abordar fosse o da alienação de jovens e adultos diante das inúmeras “realidades alternativas” nos quais eles podem mergulhar cada vez mais fundo, mas essa é uma mensagem que o roteiro e o diretor entregam de forma ingênua e anacrônica, como se o público alvo também estivesse na segunda metade do século XX. Apesar disso, o cineasta mostra que ainda tem o talento necessário para entregar um filme de ação de tirar o fôlego, sendo seu melhor trabalho no gênero desde Minority Report: A Nova Lei.
O roteiro poderia surpreender jovens e adultos dos anos 1980, mas depois de 30 anos de inúmeros filmes e séries com premissas e reviravoltas semelhantes, o desenrolar fica bem previsível: um nerd padrão que não sabe lidar com garotas consegue algo que alguém poderoso (geralmente, uma corporação do mal) quer e tem que lutar para alcançar o objetivo final antes dos vilões e salvar o dia; no caminho, ele faz novas amizades ou se reconecta com velhos amigos (que ele passa a conhecer melhor depois de fazer descobertas “surpreendentes” sobre eles) e encontra seu par romântico; no final, depois do protagonista ter aprendido uma importante lição de moral, o derrotado vilão vai preso ou é destruído e o nosso herói pode beijar a mocinha.
No caso de Jogador Nº 1, que segue à risca a fórmula acima, o nerd padrão é Wade Watts (Tye Sheridan) que com seu avatar Parzival descobre a primeira chave para um super easter egg deixado pelo trilionário James Halliday (Mark Rylance) em sua grande criação: o OASIS. Esse sistema é um universo de realidade virtual que já não é apenas um jogo no ano de 2044, pois é onde a maioria da população passa a maior parte do tempo e realiza o grosso das atividades econômicas do mundo. O citado easter egg dará a quem o encontrar total controle sobre a plataforma, o que desperta o interesse da corporação IOI, chefiada por Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn), grande vilão do filme.
Watts conta com a ajuda de seu melhor amigo Aech, um avatar masculino alto e musculoso que obviamente será revelado ser alguém completamente diferente na vida real. Isso acontece quando ficamos sabendo que ele na verdade é Helen (Lena Waithe), uma mulher negra e lésbica que em nada lembra seu avatar. O mesmo não pode ser dito de Art3mis/Samantha (Olivia Cooke), a jovem e atraente avatar por quem Watts/Parzival se apaixona no jogo e que é, convenientemente, uma moça jovem e atraente na vida real. O diretor tenta mostrá-la como uma personagem forte e independente, mas isso não muda o fato de que ela é apenas o “player 2” do protagonista e nunca está realmente à altura dele (exemplos de como isso pode ser feito de forma mais equilibrada estão nas coadjuvantes de No Limite do Amanhã – crítica aqui – e Missão Impossível: Nação Secreta – comentário aqui).
Claramente, esse roteiro não é nenhum Black Mirror. Porém, ele é muito bem executado por Spielberg, que não deixa a narrativa ficar tão cansativa quanto poderia ser e compensa a previsibilidade com impressionantes sequências de ação. A cena de abertura é um deleite para os olhos e ouvidos de qualquer fã de cultura pop (que ainda é um pouco difícil de definir, como podemos ver aqui e aqui), mas é na primeira sequência de ação que o espectador é realmente fisgado: uma corrida na qual Parzival dirige um DeLorean de De Volta Para o Futuro enquanto Art3mis monta nada mais nada menos que a motocicleta vermelha de Shotaro Kaneda, do clássico Akira.
O que torna esses elementos relevantes o suficiente para compensar as limitações do roteiro é a forma como eles são usados: o espectador está vendo não apenas uma cena de ação intensa e alucinante, mas sim uma cena que, além dessas características, conta com a presença de itens icônicos de filmes e desenhos que a maioria das pessoas cresceu assistindo. Mais que isso, esse itens são usados de forma fiel ao material fonte. Em outras palavras, mais do que uma série de referências soltas, é como se estivéssemos assistindo a um grande mashup da cultura pop dos últimos 50 ou 60 anos.
Além dos veículos citados, algumas outras aparições se destacam em Jogador Nº 1: O Gigante de Ferro, um Gundam RX-78-2, uma variante do monstro Godzilla e o próprio King Kong são apenas algumas das participações mais importantes. Além disso, há toda uma sequência que se passa em uma réplica do hotel de O Iluminado, para o qual Aech/Helen, que nunca assistiu a esse clássico do terror, não estava preparada. Essa sequência sozinha já faz o filme valer a pena. Há também interessantes referências para o trabalho do diretor John Hughes, responsável por clássicos adolescentes como O Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Adoidado, além de sucessos como Mulher Nota Mil e A Garota de Rosa Shocking.
Há referências menores para Chucky (o Brinquedo Assassino), Street Fighter (sim, alguém solta um Hadouken), Mortal Kombat, Jurassic Park, Tartarugas Ninja, Batman, RoboCop, Halo, Star Wars e Star Trek (que é o tema do “funeral” pré-filmado no qual Halliday anuncia seu legado), dentre muitos outros. A citação favorita do excêntrico Halliday vem do Lex Luthor de Superman: O Filme: “Algumas pessoas podem ler Guerra e Paz e sair achando que se trata apenas de uma simples aventura. Outras podem ler os ingredientes em uma embalagem de chiclete e desvendar os segredos do Universo.” Na frente musical, o filme é embalado por clássicos de bandas como A-Ha, Van Halen, Duran Duran, Twisted Sister e Bee Gees.
Essa é mais uma produção que funciona, acima de tudo, como um divertido veículo de nostalgia, como as séries Stranger Things e Everything Sucks!, e os filmes Scott Pilgrim Contra o Mundo, Detona Ralph, Uma Aventura Lego e LEGO Batman: O Filme. Desses, o único que se iguala a Jogador Nº 1 em termos de referências pop é o também alucinante Uma Aventura Lego. Porém, essa animação tem um roteiro mais profundo e inspirado, lidando com temas como conformismo, autoritarismo e livre arbítrio, enquanto surpreende em seu ato final com um genuíno e tocante drama familiar.
Em suma, Jogador Nº 1 foi feito sob medida para explodir a cabeça dos nerds de plantão. Spielberg mostra que ainda tem seu “toque mágico” ao transformar um roteiro medíocre em uma experiência cinematográfica altamente satisfatória. O diretor usa com maestria centenas de referências à cultura pop para montar um greatest hits tanto de sua cinematografia quanto da infância e juventude das muitas pessoas que cresceram nas salas de cinema ou na frente da TV.