Alguns Pedaços de Eternidade


Os homens são assombrados pela vastidão da eternidade. E assim, nos perguntamos: irão nossas ações ecoar pelos séculos? Irão estranhos escutar nossos nomes muito depois de termos partido e se perguntarão quem fomos, o quão bravamente lutamos, ou o quão ferozmente amamos?

Essa é a narração inicial do épico de 2004 Tróia. Baseado na obra de Homero, o roteiro de David Benioff, que é um dos criadores e principais escritores da série Game of Thrones, se mostra obcecado com a posteridade. A principal motivação do herói Aquiles (Brad Pitt) para lutar em uma guerra da qual não precisava participar é deixar um legado de atos grandiosos que o fizesse ser lembrado por toda eternidade.

Essa é uma motivação tão boa quanto qualquer outra. Enquanto a maioria das pessoas encontra sentido para viver na busca pela felicidade, esse não é o único objetivo possível. Pra começo de conversa, as definições de felicidade podem variar de forma quase infinita, pois, em última instância, cada pessoa tem sua própria definição. O ponto em comum entre todas elas é a busca por um sentimento de completude e realização.

A sociedade, guiada por suas tradições e bons costumes, nos incentiva a encontrar esse sentimento por meio do amor e dedicação à família e aos amigos. Porém, essa lógica vem cada vez mais sendo rompida pelas novas gerações (assim como as velhas gerações romperam com paradigmas das gerações anteriores). Afinal, sendo este sentimento nada mais que neurotransmissores sendo disparados a partir das informações que capturamos com nossos órgãos sensoriais, existe mais de uma forma de alcançá-lo.

Em Tróia, uma das falas de Thetis (Julie Christie), mãe de Aquiles, compara as opções que ele tem:

Se você ficar em Larissa, encontrará a paz. Encontrará uma mulher maravilhosa, e terá filhos e filhas, que também terão filhos e filhas. E todos eles o amarão e se lembrarão de seu nome. Mas quando seus filhos estiverem mortos, e os filhos deles depois, seu nome será esquecido… Se você for para Tróia, a glória será sua. Eles escreverão histórias sobre suas vitórias por milhares de anos! E o mundo se lembrará de seu nome. Mas se você for para Tróia, jamais voltará… pois sua glória anda de mãos dadas com o seu fim. E eu nunca mais o verei novamente.

Aquiles escolhe a guerra, e, como previsto, perece nela.

Soldados

A decisão de Aquiles de abrir mão da possibilidade de felicidade em prol da glória e do reconhecimento que jamais presenciaria pode parecer muito estranha, mas encontra paralelos em muitos momentos da História e em diversos tipos de pessoas.

O diretor Werner Herzog é conhecido por retratar personagens que deixam intensas obsessões dominarem e consumirem suas próprias vidas, sendo o próprio diretor obcecado com essas pessoas e o que as motivam. Já a diretora Kathryn Bigelow, apesar de ter um perfil mais discreto, lida com questões semelhantes em alguns dos seus principais trabalhos. Desde os assaltantes de banco praticantes de esportes radicais de Caçadores de Emoção até os memoráveis protagonistas de A Hora Mais Escura e Guerra ao Terror, ela vai fundo nas ansiedades desses personagens.

Maya (Jessica Chastain), protagonista de A Hora Mais Escura, é uma analista da CIA que passa toda sua vida adulta com um único objetivo: localizar e eliminar o terrorista Osama Bin Laden. Quando a missão finalmente é cumprida, ao invés de euforia, o que vemos é um desesperador vazio em seus olhos. Aquele que era o maior objetivo de sua vida havia sido alcançado. E agora?

Já o Sargento James, protagonista de Guerra ao Terror, é um especialista em bombas do exército americano que está viciado na adrenalina do trabalho. Enquanto diz para sua esposa que quer voltar para o Iraque para ajudar as forças armadas e servir o país, seus motivos ficam mais claros quando conversa com seu filho de pouco meses de idade:

Você ama brincar com isso, não é? Você ama brincar com seus animais de pelúcia. Você ama sua mamãe, seu papai, até seus pijamas. Você ama tudo, não é? Sim. Mas quer saber, amiguinho? Quando você vai envelhecendo… algumas das coisas que você ama podem deixar de ser tão especiais, sabe? Como seu boneco na caixa. Talvez você vai perceber que é só um pedaço de metal e um animal de pelúcia. Mas quanto mais velho você fica, menos coisas você ama. E quando você chegar na minha idade, talvez sejam apenas uma ou duas.

Para mim, acho que é só uma.

Nesse ponto, o filme corta para a cena do soldado voltando para a zona de guerra.

Por que as pessoas fazem as coisas?

Certa vez, li em algum lugar que o ditado “cuidado com o que você deseja, pois você pode conseguir” nos alerta não para a possibilidade de que o que desejamos nos prejudique, mas sim para a possibilidade de não desejarmos mais. Uma vez que o atingimos, o objetivo deixa de existir, e com isso perdemos também o senso de propósito que ele nos proporcionava. De acordo com esse raciocínio, a pior coisa que pode acontecer com uma pessoa não é ela deixar de conseguir o que deseja, mas sim ela não ter mais o que desejar.

Mas o senso de propósito pode não estar relacionado com um objetivo. Por algum outro acidente do destino, um dia me deparei com uma citação da obra de ficção científica Soldier, Ask Not, do escritor Gordon R. Dickson, que lida com essa temática. Ela diz:

São tolos os que acreditam que riqueza ou mulheres ou bebidas ou mesmo drogas podem comprar o máximo de esforço da alma de um homem. Essas coisas oferecem fracos prazeres se comparados ao maior de todos, àquela atividade que demanda dele mais que sua força máxima, que o absorve, ossos e tendões e cérebro e esperança e medo e sonhos — e ainda pede mais.

São tolos os que acreditam no contrário. Nenhum grande esforço jamais foi comprado. Nenhuma pintura, nenhuma música, nenhum poema, nenhuma catedral na pedra, nenhuma igreja, nenhuma construção jamais foi erguida por algum tipo de pagamento. Nenhum Partenon e nenhuma Batalha de Termópilas jamais foi construído ou travada por pagamento ou glória; nenhuma Bucara pilhada ou território chinês sob domínio mongol por riqueza ou poder apenas. O pagamento por esses atos foi a própria realização deles.

Empunhar a si mesmo — usar a si próprio como uma ferramenta em suas próprias mãos — e assim fazer ou quebrar aquilo que ninguém mais pode construir ou arruinar — ESTE é o maior prazer conhecido pelo homem! Para aquele que sentiu a talhadeira em sua mão e libertou o anjo aprisionado no bloco de mármore, ou para aquele que sentiu a espada em sua mão e tornou desabrigada a alma que momentos antes habitava o corpo de seu inimigo mortal — para esses vem o mesmo sabor daquele raro alimento servido apenas para demônios e para deuses.

Imortais

No início do 11º episódio da nova encarnação da série Cosmos, intitulado “Os Imortais”, Neil DeGrasse Tyson fala sobre a cidade de Uruk, na região onde hoje é o Iraque, o berço da civilização.

O conceito de cidade foi inventado aqui. E uma das maiores vitórias da humanidade foi alcançada, na infinita batalha contra o tempo: foi aqui que aprendemos a escrever. A morte não podia mais nos silenciar. E a escrita nos deu o poder de estender o nosso alcance pelos milênios e falar dentro da cabeça dos vivos.

Ele segue dizendo que a “voz” mais antiga que conhecemos é a da princesa acadiana Enheduana, filha do primeiro imperador da História e sacerdotisa da Lua. Ela não apenas escrevia poesia e hinos religiosos, mas também foi a primeira pessoa a assinar uma obra literária. Ou seja, até hoje, mais de 4000 anos depois, conhecemos não apenas seus pensamentos, mas também o seu nome: “Ela é a primeira pessoa de quem podemos dizer que sabemos quem foi e o que sonhava.”

Talvez ela tenha escrito seus hinos apenas para agradar os deuses que representava, mas seus textos foram copiados e respeitados por muito tempo após sua morte. Um dos pontos em comum entre ela e Homero é que enquanto eles escreviam sobre deuses e/ou heróis que viveriam para sempre, o que realmente foi eternizado foram suas próprias ideias e concepções artísticas.

Muitos dos questionamentos e aflições revelados por esses antigos autores continuam sem resposta. E muitos autores atuais continuam fazendo as mesmas perguntas. Por exemplo, o sucesso Undiscovered First, da cantora Feist, termina com os seguintes versos:

Será essa a montanha certa
Para escalarmos?
Será este o jeito certo de viver
Para que você seja meu?

Será este o rio certo
Para atravessarmos?
Será este o jeito certo de viver
Para que eu seja sua?

Será este o jeito certo de viver?
É errado querer mais?