Crítica: Código Preto

Black Bag, EUA, 2025



Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


Depois de filmes como Nem um Passo em Falso e Kimi, Steven Soderbergh mais uma vez investe em um suspense inteligente, enxuto e envolto em temas políticos com Código Preto. O diretor já havia se aventurado no mundo da espionagem com A Toda Prova, mas dessa vez a ação é muito mais verbal do que física. O resultado é mais um envolvente exercício de estilo do cineasta, ficando acima dos trabalhos já citados e mais próximo do nível de Terapia de Risco e Logan Lucky.

código preto: cate blanchett e michael fassbender

A trama de Código Preto é claramente inspirada nos arquétipos do gênero de espionagem estabelecidos pelos clássicos de John Le Carré. Há um traidor nos altos escalões do Serviço de Inteligência Secreta (SIS ou MI6) do Reino Unido e o mestre-espião George Woodhouse (Michael Fassbender) está em busca dele.

Além do primeiro nome e dos óculos de grossa armação, Woodhouse possui outras características em comum com o mais famoso personagem de Le Carré, George Smiley, como seu jeito soturno, calmo e metódico. Para efeitos de comparação, Smiley já foi interpretado por Alec Guinness nas minisséries Tinker Tailor Soldier Spy e Smiley’s People. Mais recentemente, ele foi interpretado por Gary Oldman em outra adaptação de Tinker Tailor, o filme O Espião que Sabia Demais, de 2011.

Para surpresa de Woodhouse, as evidências encontradas até o momento apontam sua esposa Kathryn St. Jean (Cate Blanchett) como a principal suspeita de ser a traidora. Ao contrário de Smiley, que tinha problemas matrimoniais com a extrovertida e elusiva Ann, George e Kathryn parecem formar um perfeito casal de espiões, com ambos tendo altos cargos no SIS.

Durante a investigação, a grande dúvida é se George vai ajudar a esposa a não ser pega ou se, fiel a sua personalidade aversa a mentiras e a mentirosos, ele vai denunciá-la como a qualquer outro. Por um lado, as pistas deixadas por Kathryn parecem demasiadamente descuidadas e até mesmo deliberadas. Por outro, sua natureza parece ser tão agressiva quanto dissimulada, dando a ela um certo ar de excesso de autoconfiança, o que explicaria a falta de cuidado.

código preto: michael fassbender, tom burke e pierce brosnan

O primeiro ato de Código Preto pode testar a paciência do espectador, já que, ao invés de apresentar o mistério principal, ele está mais interessado em apresentar a dinâmica entre os “jogadores”. O lance inicial de George é colocar todos os suspeitos, inclusive sua esposa, ao redor de uma mesa de jantar. O que Freddie Smalls (Tom Burke), Clarissa Dubose (Marisa Abela), James Stokes (Regé-Jean Page) e Zoe Vaughan (Naomie Harris) não sabem é que um dos pratos está “temperado” com uma boa quantidade de soro da verdade.

O resultado é tão caótico quanto se poderia imaginar, especialmente porque os quatro convidados também formam dois casais. Por mais que a cena seja altamente divertida e que muitas acusações e revelações sejam feitas, esse momento não parece avançar a trama. Talvez George tenha conseguido capturar o que ele queria, mas o espectador fica apenas com o entretenimento, que funciona melhor do que no filme Um Jantar Entre Espiões.

A trama só engata de verdade quando a arma cibernética Severus é vazada e George, sob a perigosa atenção do chefe do SIS Arthur Stieglitz (Pierce Brosnan), precisa correr contra o tempo.

O software foi desenvolvido com base no Stuxnet, malware que é o tema central do documentário Zero Days. Enquanto a recente série A Fronteira Oriental realça os truques sujos utilizados pela Rússia, a trama de Código Preto volta a nos lembrar que os serviços de inteligência do ocidente também sabem jogar de forma extremamente suja.

É interessante notar que o George de Fassbender pode ser considerado uma antítese dos personagens que o ator interpretou no filme O Assassino e na série A Agência. Nesses dois casos, os personagens são profissionais que se consideram extremamente metódicos e eficazes, mas que vão tomando decisões ilógicas e emocionais que contrariam essa autoimagem e complicam suas situações. Já George Woodhouse realmente se mostra tão bom quanto sua reputação no serviço dá a entender.

Depois de muitas curvas e reviravoltas, a trama de Código Preto chega a um clímax altamente satisfatório ao redor da mesma mesa de jantar do primeiro ato. É uma cena que revela não apenas quem é o traidor, mas também quais eram as intenções de Soderbergh e do roteirista David Koepp ao apresentar todas as pistas que estão meticulosamente espalhadas pela trama. Não é que seja um final surpreendente, mas certamente é um final que amarra muito bem todas as linhas narrativas lançadas anteriormente.