Crítica: Paradise – 1ª Temporada
Paradise, EUA, 2025
Disney+ · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
* Contém SPOILERS da primeira temporada de Paradise
Por um lado, Paradise recorre aos típicos mecanismos de uma série de mistério para manter o interesse do espectador. Além de haver vários suspeitos de terem cometido o assassinato no centro da trama, a narrativa apresenta falsas pistas e algumas reviravoltas, no melhor estilo whodunnit. Porém, a história é elevada por seus elementos de ficção científica e por avassaladores dramas humanos, potencializados não apenas por ótimos roteiros mas também por incríveis atuações.
O assassinato do presidente dos EUA Cal Bradford (James Marsden), codinome Wildcat, coloca seu chefe de segurança Xavier Collins (Sterling K. Brown) sob muita pressão. Ele tenta coletar o máximo de evidências possíveis antes que a situação saia de seu controle, o que vai acontecer assim que a poderosa Samantha Redmond (Julianne Nicholson), apelidada Sinatra, chegar no local do crime.
O que só é revelado no final do primeiro episódio é que a idílica cidade de Paradise, onde todos os personagens se encontram, não é um lugar normal. A cidade é, na realidade, um gigantesco abrigo subterrâneo, no qual 25 mil pessoas estão tentando sobreviver há três anos. Depois de uma gigantesca catástrofe global, é bem possível que essa população represente um dos últimos vestígios da humanidade no planeta Terra.
Dessa forma, enquanto o mistério de assassinato mantém a trama em movimento, a série é capaz de explorar temas e dramas muito mais profundos. Isso lembra a abordagem da primeira temporada de Expresso do Amanhã e da primeira temporada de Silo, além de ter elementos em comum com outras séries nas quais a humanidade precisa seguir em frente depois de passar por eventos traumáticos, como The Leftovers, The Last of Us e Fallout.
Uma das personagens mais interessantes de Paradise é Sinatra, que é revelada como a bilionária que de fato lidera a comunidade subterrânea. Por mais que muitas de suas falas e ações sejam de uma vilania caricata (e ela mesmo admite isso), sua mentalidade não está longe da mentalidade de muitas pessoas na vida real.
Assim como o magnata da tecnologia que é o principal antagonista da minissérie Devs, Sinatra é marcada por uma grande perda em sua família. Em sua dor e em em seus esforços para garantir a sobrevivência de seus entes queridos, ela vai tomando decisões que parecem extremamente pragmáticas, mas que revelam um certo senso de superioridade e uma grande indiferença em relação ao sofrimento alheio.
Parece improvável, mas suas ações estão mais próximas das ações do caricato bilionário da comédia Não Olhe Para Cima, que foi feito para satirizar o bilionário da vida real Elon Musk. Em todos esses casos, ao invés de recorrer a soluções que aumentem as chances de sobrevivência da humanidade como um todo, os bilionários (como muitos outros seres humanos fariam) focam em garantir a própria sobrevivência ao lado das poucas pessoas que eles consideram “especiais”.
Esses personagens também evidenciam uma equivocada definição de “inteligência”, como se a capacidade de acumular grandes quantidades de dinheiro fosse um sinal de um intelecto elevado. Porém, o fato de que uma pessoa possui bons instintos para os negócios não significa que essa pessoa terá bons instintos para conduzir um país ou para tomar decisões que afetem o futuro da humanidade.
Em Paradise, Sinatra vai tão longe em sua crença de que os fins justificam os meios que ela chega a perder o controle dos violentos psicopatas que ela utiliza para fazer seu trabalho sujo. Por mais que seja considerada uma “visionária”, ela é apenas mais uma pessoa que toma decisões que não levam em conta o longo prazo e que ignoram uma grande quantidade de variáveis do mundo real.
Enquanto a maior parte dos oito episódios de Paradise oferece um envolvente mistério com tons dramáticos, o sétimo episódio vai em uma direção completamente diferente. Esse é o episódio que mostra os acontecimentos antes e durante uma catástrofe global inimaginável. Se o episódio fosse um filme isolado (e ele pode ser assistido como um), já poderia ser considerado um dos melhores filmes do ano.
O nível de drama e terror presentes na narrativa desse episódio destoam do restante da trama e o colocam praticamente no mesmo nível da minissérie Chernobyl. A desesperadora situação causada por uma mega erupção vulcânica na Antártida pega a maior parte do mundo de surpresa. Mesmo o pequeno grupo que sabia da possibilidade do evento é surpreendido com a velocidade e com a violência da situação, que faz as violentas erupções dos montes Tambora e Krakatoa parecerem fogos de artifício.
De repente, a humanidade tem apenas algumas horas para lidar com o próprio fim e entender que “a festa acabou”. A situação se torna ainda pior com as muitas forças armadas do mundo, especialmente as que possuem arsenal nuclear, tentando garantir vantagens estratégicas para um possível futuro na superfície de um devastado e inundado planeta.
Esse cenário só é “inimaginável” para quem não conhece a História climática e geológica da Terra. Eventos como os mostrados em Paradise são tão raros quanto os meteoros que ameaçam a humanidade em Não Olhe Para Cima e em Carol e o Fim do Mundo, mas eles já aconteceram antes. Apesar de não haver evidências de um supervulcão na Antártida, o continente possui uma grande rede de vulcões, com dois deles estando ativos (veja o vídeo no final do texto).
Esse tipo de possibilidade ressalta a importância de continuarmos estudando os fenômenos climáticos e de nos prepararmos para colaborar uns com os outros em momentos de desespero. Na série, Xavier e o presidente Cal Bradford representam o oposto de Sinatra, já que eles jamais perdem sua decência e sua humanidade mesmo sob níveis de pressão que “quebrariam” a maior parte das pessoas.
Paradise acaba sendo uma agradável surpresa em 2025, servindo tanto como um envolvente entretenimento quanto como um estudo de mais um possível cenário pós-apocalíptico. Assim como as histórias de zumbi, tramas como essa podem realmente ajudar as pessoas a se prepararem para emergências da vida real, sejam elas climáticas, geológicas ou de quaisquer outros tipos.