Crítica: A Fronteira Oriental
Przesmyk (The Eastern Gate), Polônia, 2025
Max · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Além de ser uma ótima minissérie polonesa de espionagem, A Fronteira Oriental revela o tipo de ansiedade causada pelas ações da Rússia no Leste Europeu. Em uma história que testa as lealdades nacionais e pessoais de seus personagens, os traumas e as incertezas de um país se misturam com os traumas e as incertezas da protagonista Ewa Oginiec (Lena Góra), uma espiã cuja vida pessoal é severamente afetada por fatores geopolíticos.
Para entender completamente o peso da história contada em A Fronteira Oriental é preciso entender um pouco da História da Polônia. Foi a invasão do país pela Alemanha Nazista em 1939 que deu início à Segunda Guerra Mundial. Depois da derrota dos nazistas, um processo político conduzido por comunistas poloneses com o apoio da União Soviética resultou na República Popular da Polônia, uma ditadura que duraria mais de quatro décadas.
Os traumas causados pela ocupação nazista e pela ditadura comunista ainda estão bem presentes na sociedade polonesa. Da mesma forma que filmes como O Segredo dos Seus Olhos e Ainda Estou Aqui abordam as arbitrariedades e a repressão na América Latina das ditaduras militares, filmes poloneses como Entre Frestas e Sem Deixar Rastros abordam o passado sombrio da Polônia sob um longo regime ditatorial.
É para evitar outra situação como essa que a inteligência polonesa mostrada em A Fronteira Oriental tenta conter os avanços dos interesses russos em suas fronteiras.
Um dos elementos centrais na disputa é o chamado Corredor de Suwałki (veja o mapa abaixo), uma área de fronteira entre a Polônia e a Lituânia que poderia servir como uma “ponte” (ou um “istmo”, daí o título original da série, Przesmyk) entre o território russo do Kaliningrado e a Bielorrússia, país que é uma aliado histórico da Rússia. O local é considerado o “calcanhar de Aquiles” da OTAN.
Na trama, que é ambientada em 2021, o mestre-espião Zbigniew Lange (Andrzej Konopka) tenta garantir que a Polônia não seja a próxima vítima dos russos depois da anexação da Crimeia em 2014. A suspeita é que o regime de Vladimir Putin avançaria ou sobre a Polônia, ou sobre os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) ou, mais uma vez, sobre a Ucrânia.
Na vida real, nós já sabemos que a Rússia invadiria a Ucrânia em 2022.
A situação da protagonista Ewa tem várias similaridades com a situação do protagonista da série A Agência. Nos dois casos, agentes de inteligência traumatizados e apaixonados acabam permitindo que suas vidas pessoais se misturem com suas vidas profissionais, tendo resultados altamente preocupantes. A diferença é que Ewa toma muito menos atitudes questionáveis que o protagonista da outra série.
Para começar, ela está em um relacionamento amoroso com seu colega Skiner (Karol Pochec). Depois que uma missão no Kaliningrado tem um alto custo pessoal, fica claro que esse relacionamento pessoal realmente pode ter efeitos sobre o relacionamento profissional. Isso só piora quando Skiner é capturado pela inteligência da Bielorrússia durante a missão seguinte do casal.
Agora, Ewa deve fingir ser a nova cônsul da Polônia na Bielorrússia e se misturar com a comunidade de imigrantes poloneses no país. Suas missão é identificar um traidor no consulado polonês em Minsk, mas ela está muito mais preocupada com a segurança de Skiner. Desobedecendo ordens, ela segue algumas pistas sobre o paradeiro do parceiro, mas acaba descobrindo uma conspiração muito maior e muito mais grave do que ela esperava.
Nesse ponto, A Fronteira Oriental tenta emular as ações da Rússia na vida real. Na trama, o agente russo Skopincew (Dmytro Malkov) promove operações de falsa bandeira e de desinformação (o que nos lembra o documentário Agentes do Caos) para criar uma situação que justificaria uma invasão russa na Polônia.
A ficção seria: dada as ações de terroristas poloneses na Bielorrússia, a Rússia seria “forçada” a invadir a Polônia para defender o aliado.
Na vida real, as justificativas utilizadas por Putin foram desde um possível ingresso da Ucrânia na OTAN até acusações de neonazismo e de um suposto genocídio de falantes da língua russa no país. Por mais que o avanço da OTAN seja questionável e que existam sim grupos neonazistas na Ucrânia, nenhum desses elementos justificam ou “forçam” a Rússia a invadir o país.
Dada a conjuntura da região nas últimas décadas, fica claro que a invasão ocorreria de qualquer forma, sendo necessário apenas Putin escolher ou criar alguns pretextos.
Assim, A Fronteira Oriental revela tanto os medos e a mentalidade de seus personagens quanto os medos e a mentalidade dos realizadores da série. Com muitas reviravoltas e um alto nível de suspense, a série pode ser envolvente até para quem não entende nada do cenário geopolítico da região.
Para quem entende, é impossível não perceber uma certa semelhança física entre o ator Dmytro Malkov, que interpreta o principal vilão russo, e o presidente russo Vladimir Putin, o que não deve ser por acidente.