Operação Lioness: Uma Nova Versão de uma Velha Doutrina


* Contém SPOILERS da segunda temporada de Operação Lioness

No quesito ação, nenhuma outra série (ou filme) vai superar a segunda temporada de Operação Lioness em 2024. Apenas o primeiro episódio, com meros quarenta e cinco minutos de duração, já representa uma injeção de adrenalina como nenhuma outra ao longo do ano. Porém, a série pode dividir o público por ser utilizada pelo criador Taylor Sheridan para apresentar algumas de suas posições ideológicas e sua proposta para uma nova versão das velhas doutrinas geopolíticas dos EUA.

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Diferente da série Jack Ryan, Sheridan não apresenta os EUA como uma bem-intencionada “polícia do mundo”, mas sim como um império em declínio que precisa se reunificar para garantir seu lugar no espaço geopolítico. Além de apontar o dedo para adversários externos, o autor mais uma vez critica a disfunção interna do governo dos EUA e faz uma representação relativamente ambígua da atuação da CIA.

Por um lado, a atuação e a representação da equipe liderada pela protagonista Joe (Zoe Saldana) é tão cool e envolvente que a trama poderia ser considerada uma peça de propaganda de recrutamento. Por outro, ao contrário do programa Lioness da vida real, essa equipe é um braço paramilitar da CIA, o que é algo questionável sob os mais diferentes pontos de vista.

Assim como em Sicario: Terra de Ninguém, Sheridan torna a chamar a atenção para a atuação ilegal da CIA tanto no México quanto dentro das fronteiras dos EUA. Dessa vez, parte das preocupações de Joe e de seus superiores, tanto Kaitlyn (Nicole Kidman) quanto Byron (Michael Kelly), é que eles não sejam pegos pelas forças policiais do país, tanto as locais quanto as federais, como o FBI e o DEA.

Dessa forma, ao invés de um órgão de inteligência, a CIA de Operação Lioness é apresentada como uma organização clandestina (o que é repetido algumas vezes por Byron) e paramilitar atuando à revelia da lei dentro do território americano, da mesma forma que a agência atua em outras partes do mundo. Se pegos por alguma agência que está sob o Departamento de Justiça, os agentes podem ser presos, julgados e condenados por seus crimes.

Em outras palavras, é uma organização criminosa que se considera acima da lei quando o assunto é defender a segurança nacional. E, até certo ponto, Sheridan parece concordar com isso.

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Essa também é uma temporada muito mais estressante, já que seus personagens estão sob uma absurda pressão psicológica. O sequestro de uma congressista americana por cartéis de drogas mexicanos é apenas o primeiro dominó derrubado em uma trama movida pela China e pelo Irã. Acostumada a atuar no exterior, Joe agora precisa lidar com narcotraficantes que podem ir atrás de sua família, o que a deixa ainda mais agressiva e paranoica.

Para se infiltrar em um dos cartéis e identificar os espiões que estão atuando em conluio com os criminosos, o secretário de estado Edwin Mullins (Morgan Freeman) e outros membros do poder executivo aprovam um plano tão apressado quanto mirabolante.

Joe discorda imediatamente de seu envolvimento no assunto, pois, além de sua equipe ser especialista em assassinatos (o que nos lembra outros assuntos…), ela não terá toda a autonomia ao qual está acostumada e terá que colaborar com o arrogante colega Kyle (Thad Luckinbill). Obviamente, sua opinião não importa muito nessa situação.

A ideia mirabolante é recrutar a piloto do exército dos EUA Josie Carrillo (Genesis Rodriguez) para se infiltrar no cartel de drogas liderado pelo seu próprio tio. Dessa forma, Josie teria que abrir mão de sua carreira no exército para voltar para casa e trair sua família, levando à prisão ou à morte de vários de seus parentes, inclusive seu próprio pai.

Com a ajuda de bastante coerção e manipulação psicológica, Joe consegue realizar o recrutamento, mas não é capaz de confiar em Josie. É isso o que traz Cruz (Laysla De Oliveira) de volta para a ação, recrutada para garantir que Josie execute sua missão. A situação toda é tão disfuncional que chega a ser realista, o que é uma das marcas registradas das tramas de Sheridan.

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Nessa temporada, Operação Lioness também mostra Joe, Kaitlyn e Byron tendo que angariar apoio político para viabilizar a operação, lembrando a história real contada no filme Jogos do Poder. Esse é um detalhe interessante que geralmente não é incluído nas histórias de espionagem mais recentes.

Mas um dos aspectos mais interessantes da temporada é a forma com a qual Sheridan revela seu ponto de vista e sua proposta para uma nova doutrina americana. Com a ajuda de um marcante monólogo no início do sétimo episódio, fica claro que a ideia do autor é diminuir a polarização interna no país e unificar a opinião pública ao redor de temas com os quais toda a população deveria concordar, independente da inclinação ideológica.

Isso explica o fato de Operação Lioness, que é uma série de viés patriótico e militarista, ter em seu centro mulheres e personagens LGBT+. Apesar da trama ainda incluir ideias conservadoras que farão os progressistas torcerem o nariz, a proposta de Sheridan é a da inclusão e da colaboração entre todos e quaisquer tipos de americanos. Ele entende que um país dividido é um país fraco, lembrando parcialmente a mensagem central do filme Guerra Civil.

Se esse plano de atrair tanto os espectadores conservadores quanto os progressistas dará certo é outra história, pois o efeito pode ser justamente o oposto, dividindo o público em facções.

A série faz essa proposta justamente em um momento no qual um dos futuros líderes dentro do governo americano defende abertamente a exclusão de mulheres de posições de combate. Ao que parece, Sheridan já previa uma nova administração de Donald Trump, que, além de ser polêmico e divisivo, tende a minar a capacidade do país de costurar uma política externa eficiente e eficaz.

Sheridan vai ainda mais longe no episódio final. Apesar de apontar para o envolvimento da CIA no tráfico de drogas, tema que é abordado em filmes como O Mensageiro e Feito na América, a trama mostra Byron e Kaitlyn fazendo um nefasto “pacto com o diabo” no último episódio.

Não fica claro se Sheridan realmente concorda com a ideia ou se ele a mostrará tendo consequências absurdamente negativas em uma terceira temporada. O que fica claro é que a estratégia dos personagens parece ser: já que os cartéis representam uma força que não pode ser contida e que pode ser utilizada por nossos adversários, então é melhor que nós mesmos façamos uso dos cartéis em nosso favor.

Os próprios personagens reconhecem que a ideia é altamente sombria, já que os torna cúmplices de problemas de saúde e de segurança pública que afetam as vidas de milhões de cidadãos do país. Porém, dado o histórico da CIA, essa é apenas mais uma ação altamente criminosa em uma longa lista de ações altamente criminosas.

Percebe-se então que a segunda temporada de Operação Lioness definitivamente não é para todos os gostos. Como thriller de ação, não há filme ou série melhor lançado em 2024. Como exercício geopolítico, a trama apresenta uma curiosa abordagem, que só o tempo dirá o quão eficaz ela é ou poderia ter sido.