Crítica: Conclave
Conclave, Reino Unido/EUA, 2024
Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Lançado em 1968, o filme As Sandálias do Pescador é um thriller político ambientado no Vaticano, lidando com a ascensão de um novo Papa e fazendo reflexões sobre o papel da Igreja Católica durante o período da Guerra Fria. Agora, o thriller político Conclave parece fazer o mesmo pelos nossos tempos, mostrando como a atual conjuntura sócio-política pode afetar os jogos de poder de uma das instituições mais antigas da História.
A trama acompanha Lawrence (Ralph Fiennes), o cardeal-decano que fica encarregado de organizar o conclave papal depois da morte do Santo Padre. Apesar de fazer parte de uma facção progressista, ele tenta se manter isento, ainda que também tente garantir que os candidatos a Papa estejam todos acima de qualquer suspeita.
A questão é que o futuro chefe da Igreja não pode ser uma figura controversa, que irá chamar a atenção da imprensa e do público por sua conduta pessoal. A escolha do Papa também é uma escolha de qual imagem a Igreja está tentando projetar para o resto do mundo. Porém, esse é um dos pontos nos quais os cardeais divergem e pelos quais eles se dividem em facções.
Conclave mostra como ambição e ideologia se misturam mesmo em uma instituição que deveria ser sobre fé e espiritualidade. Dinâmico e cheio de revelações, o filme lembra muito menos os dramas Dúvida e Dois Papas e muito mais thrillers políticos como Tudo pelo Poder e O Exercício do Poder, além das séries House of Cards e Succession.
No centro da trama, há também o candidato progressista Bellini (Stanley Tucci) e os candidatos conservadores Tremblay (John Lithgow), Tedesco (Sergio Castellitto) e Adeyemi (Lucian Msamati), que pode ser o primeiro Papa de origem africana. Também são importantes a Irmã Agnes (Isabella Rossellini) e o cardeal mexicano Benitez (Carlos Diehz), que aparece de surpresa no primeiro dia do conclave.
A trama não deixa isso explícito, mas é possível perceber que um dos principais jogadores nesse jogo de poder é o falecido Papa (Bruno Novelli), que possuía um viés progressista. Suas ações antes de seu falecimento, plantando mentiras, segredos e manipulações, posicionam as “peças do tabuleiro” de uma forma a maximizar as chances dos candidatos de sua facção e minar as candidaturas de seus opositores.
É no centro desse embate que ocorrem as reflexões mais políticas e filosóficas de Conclave. Para os progressistas, a Igreja deveria ser uma instituição de aceitação e acolhimento para todos aqueles que precisem, inclusive grupos discriminados como homossexuais e transexuais. Já os conservadores pretendem reverter décadas de posicionamento inclusivo por parte da Igreja, além de propostas mais radicais e retrógradas.
O que os conservadores percebem é que alguns dos motivos pelos quais a Igreja Católica está perdendo fiéis é justamente sua abertura para grupos marginalizados e sua aceitação de outros credos. O que muitas pessoas procuram em uma religião são certezas absolutas e rigidez institucional, dando-lhes a ilusão de que são especiais e de que fazem parte de um grupo moralmente superior a todos os outros.
Porém, esses “ideais” de superioridade e discriminação não condizem com as raízes da fé cristã. Em um discurso memorável feito durante a abertura do conclave, Lawrence afirma que o poder da Igreja está justamente em sua variedade de pessoas e de pontos de vista, invocando uma passagem de Efésios 2:14-22. Para Lawrence, a certeza absoluta é o principal inimigo da união, da tolerância e do mistério da fé.
A conclusão de Conclave não preza pelo realismo político da trama, mas sim por uma mensagem de esperança e aceitação. Enquanto as ambições pessoais e a disputa pelo poder distraem os cardeais, a trama tenta lembrar que os principais ativos da Igreja Católica não são seus dogmas ou seu patrimônio econômico, mas sim as muitas pessoas que fazem parte dela.