Crítica: Rebel Ridge
Rebel Ridge, EUA, 2024
Netflix · Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
O que torna Rebel Ridge um dos melhores filmes de ação do ano é a tensão e o peso dramático que vão se acumulando até os momentos mais “agitados” chegarem. A narrativa não apresenta uma ininterrupta injeção de adrenalina, mas sim um suspense tão inteligente quanto relevante por seus temas sociais. Para completar, o diretor Jeremy Saulnier conta com um protagonista que já surge quase icônico.
A trama sobre o veterano das forças armadas que precisa enfrentar a corrupção de uma pequena cidade nos leva direto para filmes como Rambo: Programado para Matar e Com as Próprias Mãos. Essa premissa já foi explorada em muitos outros filmes, como Linha de Frente e o recente Alerta de Risco, que seguem fórmulas similares. Porém, Saulnier tempera a receita com alguns ingredientes extras.
Para começar, a história vai fundo nos detalhes sobre corrupção policial e sobre o uso do mecanismo do confisco de propriedade civil (em inglês, civil asset forfeiture) para, na prática, subtrair os bens de cidadãos inocentes. Nos EUA, a ideia por trás do mecanismo é possibilitar a apreensão de ativos que talvez foram adquiridos por meio de atividades ilegais, mesmo se os proprietários não forem acusados formalmente de algum crime.
Ou seja, a mera suspeita de que o cidadão está envolvido em atividades ilegais já é o suficiente para justificar a apreensão pela polícia. Para recuperar seus bens, a pessoa precisa provar em juízo que não está envolvida em atividade criminosa, o que é um processo custoso e que, praticamente, inverte o ônus da prova. O mecanismo foi criado para ser utilizado contra grandes organizações criminosas, mas também acaba sendo utilizado por policiais corruptos para roubar cidadãos desavisados.
Nesse sentido, Rebel Ridge lembra séries como Mayor of Kingstown e A Cidade é Nossa, que mostram o quão disfuncional a atuação da polícia pode se tornar quando os policiais abandonam as regras. Também vêm à mente filmes como Copland e O Outro Lado da Lei, além de suspenses policiais mais recentes, como Bronx e Camelões, ambos lançados pela Netflix.
Em Rebel Ridge, o dinheiro que a polícia apreende com o protagonista Terry Richmond (Aaron Pierre) estava destinado a dar uma segunda chance para seu primo, que está prestes a ser transferido para um presídio estadual. É por isso que Terry, um ex-fuzileiro naval, é levado a tomar medidas desesperadas para recuperar sua propriedade, o que irrita o chefe de polícia Sandy Burnne (Don Johnson).
A presença de tela e a atuação de Aaron Pierre fazem toda a diferença aqui. Com a ajuda de um roteiro afiadíssimo, ele e Saulnier compõem um estoico, cool e ameaçador herói de ação. Sua calma e sua educação diante de situações perigosas o tornam, de alguma forma, ainda mais intimidador. Ele não precisa aumentar o tom de sua voz ou utilizar palavras rudes para deixar clara a natureza de sua mensagem.
O que ele precisa é apenas agir de forma calculada e disciplinada, aplicando seu treinamento como fuzileiro naval para resolver as situações de forma a minimizar a violência e os estragos causados. Terry não é um “anjo vingador” nos moldes de John Wick, que resolve tudo na bala e deixa um rastro de corpos. Em determinado ponto, ele está disposto a sair da cidade e nunca mais voltar, mas as ações dos policiais contra Summer (AnnaSophia Robb), uma das poucas pessoas que o ajudaram, o obrigam a mais uma vez se envolver na situação.
O espectador pode estranhar o fato de que Terry não precisa tirar a vida de ninguém em Rebel Ridge, o que certamente não é a regra em filmes de ação. Porém, essa história não é uma fantasia de violência e adrenalina, mas sim uma fantasia de rebeldia e, talvez, de justiça. O foco aqui não é a violência em si, mas a injustiça sofrida por Terry e por muitas pessoas na vida real.
Saulnier já havia mostrado o quão impiedoso ele pode ser no violento Sala Verde. Em Rebel Ridge, o mais importante para ele é manter a história e a ação com os pés no chão, mesmo que seu protagonista seja quase um super-herói. Essa sobriedade ajuda a manter o foco no quão injusta e revoltante a ação da polícia pode ser em casos como esse.