Crítica: The Boys – 4ª Temporada
The Boys – Season 4, EUA, 2024
Prime Video · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
* Contém SPOILERS da quarta temporada de The Boys
Se não fosse pelos dois ótimos episódios finais, a quarta temporada de The Boys poderia ter sido completamente decepcionante para uma boa parte do público. A violência gore e o humor com base em perversões sexuais chegam a ficar vazios e cansativos ao longo dos episódios, que também sofrem com o excesso de subtramas. Felizmente, todos esses elementos são devidamente amarrados e resultam no melhor (e mais pessimista) season finale da série até o momento.
Apesar do caminho tortuoso, a trama da temporada consegue entregar sua grande mensagem com maestria. Os elementos apresentados tanto nos sete primeiros episódios quanto nas temporadas anteriores convergem de forma altamente assustadora e satisfatória no episódio final, mostrando a ascensão do autoritarismo em uma versão dos Estados Unidos que não está muito distante da realidade.
Se alguém ainda não havia entendido ao longo das temporadas anteriores, a quarta temporada de The Boys deixa bem claro que a série está mostrando a ascensão de um movimento fascista. Já escrevi aqui sobre como Homelander/Capitão Pátria (Antony Starr) apresenta todas as características de um líder autoritário. Agora, ele encontra os aliados ideais para concretizar sua visão.
Talvez o exemplo mais óbvio disso está no sétimo episódio dessa temporada, quando um fantoche em um especial de Natal tenta convencer as crianças a não confiarem nem nos próprios pais. Isso lembra a propaganda nazista, que tentava representar os judeus como monstros ou seres sub-humanos, incentivando os “cidadãos de bem” a denunciarem vizinhos, amigos e quaisquer outros judeus como se fossem criminosos procurados.
Na vida real, foi assim que milhões de judeus (e de membros de outros grupos minoritários) foram presos em campos de concentração e exterminados. Na série, os apoiadores de Luz-Estrela/Starlight (Erin Moriarty) parecem estar destinados a algo similar. O sexto episódio revela que Homelander e seu grupo já possuem um acordo com uma rede privada de presídios para “abrigar” seus dissidentes.
Vale notar que Homelander jamais conseguiria fazer algo assim sozinho. Sua maior aliada nessa temporada de The Boys acaba sendo Sister Sage/Mana Sábia (Susan Heyward), uma super-heroína que se considera a “pessoa mais inteligente do mundo”. Essa característica e algumas das suas ações fazem com que ela se assemelhe a Ozymandias, o grande vilão de Watchmen.
É Sage quem utiliza as técnicas de propaganda autoritária para conquistar o apoio fanático de parte da população. É ela quem arquiteta o uso da Vought News Network (rede fictícia semelhante à Fox News) para alimentar paranoias e teorias da conspiração de extrema-direita, dividindo a população e criando um clima de “nós contra eles”.
Na superfície, seu plano envolve o assassinato do presidente eleito Bob Singer (Jim Beaver), o que permitiria que sua aliada e vice-presidente eleita Victoria Neuman (Claudia Doumit) assumisse o poder. Porém, tudo indica que Sage já sabia que as coisas não sairiam exatamente dessa forma, pois ela está contando com uma última peça do quebra-cabeça: as ações dos protagonistas de The Boys.
Enquanto Neuman e Homelander acreditam que a equipe liderada por Mother’s Milk/Leitinho (Laz Alonso) não tem como oferecer grande resistência a seus planos, Sage prefere incorporar as ações da equipe nos seus. Durante toda a temporada, ela está ciente dos movimentos de seus opositores, o que a leva a contar com eles para viabilizar o seu projeto autoritário.
Mais especificamente, ela pode contar com as ações de Billy Butcher/Bruto (Karl Urban).
Desesperado e com a saúde seriamente comprometida, Butcher vai tomando atitudes cada vez mais questionáveis ao longo da temporada. Porém, justamente quando ele parece ter encontrado um limite para o quão longe está disposto a ir, mais um acontecimento trágico traz à tona seu lado mais tóxico e inescrupuloso.
Para ele, o que começou como uma busca por justiça contra os abusos cometidos por super-heróis se tornou agora um esforço genocida contra uma parte da população do planeta. Assim como Homelander se considera superior, Butcher se considera no direito de exterminar todos os super-heróis. Perdido em um oceano de trauma, ressentimento e ideologia, ele acaba de se tornar mais um vilão em The Boys.
Para Sage, o assassinato de Neuman era algo relativamente previsível. É justamente isso o que os protagonistas estão tentando realizar no primeiro episódio e estavam tentando concretizar ao longo da temporada. Ou seja, para o plano de Sage funcionar, ela precisava que o plano dos protagonistas também desse certo.
Dessa forma, é como se Butcher tivesse se tornado uma extrema-esquerda para a extrema-direita de Homelander, com os dois lados sendo utilizados para alimentar o medo e a paranoia um no outro. É assim que o tecido social desmorona e dá lugar ao tipo de violência mostrada em filmes como Guerra Civil e Nova Ordem.
No mais, a quarta temporada de The Boys dá espaço para inúmeros outros comentários e análises, já que suas várias subtramas exploram vários dramas pessoais de seus personagens. Chega a ser um alívio quando todos esses dramas repercutem no episódio final, preparando o cenário para uma quinta temporada ainda mais sombria e distópica.
