Crítica: O Dublê
The Fall Guy, EUA, 2024
Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Teoricamente, O Dublê não deveria funcionar tão bem quanto funciona. Além de colocar uma comédia romântica no meio da comédia de ação, o diretor David Leitch e o roteirista Drew Pearce estruturam o filme de forma estranhamente episódica. Isso faz com que a própria estrutura do filme seja uma homenagem à série televisiva no qual ele é baseado, a “clássica” Duro na Queda, estrelada por Lee Majors. O resultado não é nada revolucionário, mas funciona bem o suficiente para divertir o espectador ao longo de suas duas horas.
No filme, a diretora de cinema Jody Moreno (Emily Blunt) não é apenas o interesse amoroso do herói de ação. Na prática, as idas e vindas do relacionamento entre ela e Colt Seavers (Ryan Gosling) compõem a trama principal de O Dublê durante boa parte da projeção. Isso pode desagradar parte da audiência, mas a ótima trilha sonora, os momentos de comédia e a química entre Gosling e Blunt são divertidos o suficiente para nos manter com um sorriso no rosto.
Isso até a estrela de Hollywood Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson) desaparecer misteriosamente durante filmagens na Austrália. A ação só começa quando Colt passa a enfrentar figuras perigosas em suas tentativas de identificar o paradeiro do ator. É só depois que os vilões são revelados que a narrativa deixa o romance de lado e passa a focar principalmente na comédia de ação.
Leitch já havia experimentado uma abordagem diferente em Trem-Bala, mas aqui o resultado é bem mais satisfatório. Devido a sua natureza episódica, O Dublê acaba ficando com um ritmo incerto, deixando o espectador sem saber exatamente o que esperar. São os carismas combinados de Blunt e Gosling que mantêm o barco flutuando até a marcha principal engatar na segunda metade da produção.
Outro atrativo/empecilho que os cineastas incluem é o uso de bastante meta-linguagem. Os divertidos comentários feitos sobre o filme fictício que Jody está dirigindo (Metalstorm, produção que lembra Duna: Parte 2 e outras operas espaciais) também servem para (e são aplicados em) O Dublê. Eles são divertidos até se alongarem por tempo demais, ou até começarem a prejudicar a suspensão da descrença no filme ao qual estamos assistindo.
A boa notícia aqui é que o conjunto da obra atinge um nível de qualidade que quase se aproxima a comédias de ação como Dois Caras Legais e Anjos da Lei (que também é inspirada em um antigo seriado americano). O Dublê acaba ficando mais próximo do nível de comédias como A Noite do Jogo e Meu Ex é um Espião, o que certamente não é um problema.
Vale notar que o lado “comédia romântica” da produção funcionaria muito bem mesmo sem os tiros, explosões e pancadaria do lado “comédia de ação”. Os personagens e o drama romântico vivido por eles são tão bem desenvolvidos que seria possível sustentar um filme diferente apenas com eles. Porém, essa também é uma trama sobre o trabalho dos dublês de corpo na indústria cinematográfica.
Foi graças ao sucesso de Leitch e de Chad Stahelski na franquia John Wick que o trabalho dos dublês passou a receber mais reconhecimento nos últimos anos. Isso também resultou em filmes como Atômica, Anônimo, Kate e Noite Infeliz, apenas para citar alguns. Esses profissionais continuam fazendo campanha para que sua arte seja reconhecida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas na premiação dos Oscars.
Em O Dublê, o diretor David Leitch poderia ter se ancorado em abordagens mais convencionais, como ele mesmo fez em Atômica e como os Irmãos Russo fizeram em Agente Oculto, que também é estrelado por Ryan Gosling. Porém, o experimento que ele faz aqui é, no mínimo, interessante. As formas com as quais essa narrativa intercala as cenas de ação com as cenas de romance nem sempre funcionam, mas, quando dão certo, elas fazem a espera valer à pena.