Crítica – Xógum: A Gloriosa Saga do Japão
Shogun, EUA, 2024
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★★★★★
Dada a natureza dos eventos históricos nos quais a trama de Xógum é baseada, a história da minissérie poderia ser contada estritamente sob o ponto de vista de grandiosas e sangrentas batalhas no Japão feudal. Porém, tanto a obra original de James Clavell quanto essa luxuosa adaptação não estão preocupadas com samurais cruzando espadas no campo de batalha, mas sim com um intrincado jogo de xadrez político e emocional que definirá o futuro de uma nação.
Apesar de muitos espectadores (eu incluso) aguardarem ansiosamente pela representação da Batalha de Sekigahara, a narrativa de Xógum captura a nossa completa atenção por meio de um drama intenso e imprevisível. Isso me leva, inclusive, a questionar se seria possível atingir o mesmo nível de imersão e envolvimento emocional se a trama fosse ancorada acima de tudo na ação.
Nessa ficção histórica, ao invés dos muitos sacrifícios que Tokugawa Ieyasu realizou nos campos de batalha da vida real, o protagonista Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada) realiza grandes sacrifícios em seu círculo pessoal, perdendo pessoas queridas para não ter que derramar o sangue de milhares de cidadãos japoneses. Diante disso, Xógum acaba sendo muito mais uma história sobre liderança e autocontrole do que sobre guerra e violência.
A trama aborda a capacidade de homens e mulheres de controlarem (ou navegarem) seus próprios destinos. Toranaga sabe que não há como ele “controlar o vento”, mas apenas entendê-lo e levá-lo em conta em seus planos. Ele consegue “ler” tanto seus aliados quanto seus rivais, entendendo seus defeitos e suas qualidades; seus medos e suas ambições; além de seus desejos e suas motivações.
Já o inglês John Blackthorne (Cosmo Jarvis) chega ao Japão com a ilusão de que possui total controle sobre o próprio destino. Na realidade, tudo o que ele possui é resiliência, alguma inteligência e um pouco de sorte. Apesar de ser um piloto náutico, ele ainda não entendeu que não é possível controlar o oceano, apenas aprender a como navegá-lo. Ao longo dos dez episódios, ele vai desenvolvendo sua inteligência emocional e seu raciocínio estratégico.
A inteligência emocional é vital para que nem Toranaga e nem Toda Mariko (Anna Sawai) se precipitem diante dos imprevistos que o destino coloca em seus caminhos. Não é apenas uma questão de superar as dificuldades, mas de enxergar nelas oportunidades para ajustar as rotas que estão sendo seguidas. Isso também exige grandes níveis de criatividade e flexibilidade cognitiva, já que o bom líder não pode se deixar limitar por nenhuma ideia fixa.
Dessa forma, Toranaga atinge seus objetivos sem o grande desperdício de vidas e de recursos que uma grande batalha custaria. Por mais que alguma violência ainda esteja presente, o conflito é resolvido de forma graciosa, e não por meio da força bruta. Pode-se dizer que Toranaga conquista seus inimigos sem necessariamente ter que derrotá-los. E ele faz isso ao perceber que pode utilizar uma única pessoa, e não um grande exército, como sua arma principal.
Ainda assim, alguns dos sacrifícios realizados em Xógum se assemelham a acontecimentos da história real. Por exemplo, a morte chocante que ocorre no oitavo episódio é equivalente ao histórico Cerco do Castelo de Fushimi, quando Tokugawa deixou seu fiel aliado Torii Mototada com a missão suicida de defender o castelo por tempo suficiente para que suas tropas fossem reagrupadas.
Já Kashigi Yabushige (Tadanobu Asano) está mais próximo de Kobayakawa Hideaki, líder provincial que ficou indeciso entre manter sua promessa de apoio a Ishida Mitsunari ou traí-lo, conforme ele havia prometido a Tokugawa. Obrigado a tomar uma decisão no campo de batalha, ele acabou ajudando Tokugawa em sua grande vitória. Porém, essa traição deixou sua consciência pesada, levando-o a, supostamente, perder a sanidade e se tornar alcoólatra. Sua morte ocorreria apenas dois anos depois da Batalha de Sekigahara.
Enquanto Blackthorne foi inspirado na figura histórica de William Adams, Mariko foi claramente inspirada em Hosokawa Gracia, nobre japonesa que foi convertida ao catolicismo. A trajetória da personagem em Xógum é extremamente fiel aos acontecimentos da vida de Gracia.
Ao fim, a abordagem mais “pacifista” de Xógum é bem mais adequada do que o absurdo banho de sangue que os espectadores esperavam. Trazer a Batalha de Sekihara para a tela em toda a sua “glória” significaria transformar um dos mais sangrentos momentos da História do Japão em um espetáculo cinematográfico.
Isso lembra inclusive os filmes Guerra Civil, que aborda a espetacularização da violência, e Duna: Parte 2, que alerta contra as consequências da violência fanática e massificada. Outra produção antiguerra que pode ser mencionada aqui é Godzilla: Minus One, que aborda justamente a relação entre a cultura japonesa e o valor da vida humana, tanto em tempos de guerra quanto em tempos de paz.
Graças a uma reconstrução de época impecável e a atuações impressionantes, Xógum: A Gloriosa Saga do Japão consegue aumentar a adrenalina do espectador sem precisar depender apenas de cenas de ação. Outro fator que contribui para isso são os ótimos roteiros, que são tão econômicos quanto inspiradores. É possível questionar algumas das escolhas feitas por Toranaga, mas o personagem ainda pode ser considerado um exemplo de liderança.