Crítica: Fallout – 1ª Temporada
Fallout, EUA, 2024
Prime Video · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Os oito episódios da primeira temporada de Fallout seriam significativamente beneficiados por uma estratégia de lançamento semanal, ao invés de serem lançados todos juntos. A espera não seria fácil, mas nos daria a oportunidade de processar e refletir mais profundamente sobre cada um dos desenvolvimentos e das revelações. A série não é apenas estilosa e divertida, mas também conta com narrativa e ambientação tão envolventes quanto complexas.
É como se Fallout combinasse as duas primeiras temporadas de Westworld com parte do desespero pós-apocalíptico de The Last of Us e Mad Max: Estrada da Fúria, mas inserindo elementos de humor negro que tornam a experiência um pouco mais leve. Esse humor vem, em grande parte, do contraste entre o ingênuo otimismo de Lucy MacLean (Ella Purnell) com o desespero e a impiedade do mundo que ela encontra quando sai de um Refúgio subterrâneo 200 anos depois de um holocausto nuclear.
A série também se destaca pelas ótimas cenas de ação, especialmente as protagonizadas pelo traumatizado soldado Maximus (Aaron Moten) e pelo pistoleiro morto-vivo Necrótico/Cooper Howard (Walton Goggins). Enquanto Maximus faz estragos com uma poderosa armadura de mais de dois metros de altura, o Necrótico lembra a frieza e o cinismo do Homem de Preto (Ed Harris) em Westworld. São esses dois personagens que completam a trama com elementos típicos de faroestes e também da franquia Mad Max.
A jornada de Lucy em busca de seu pai ganha tons de mistério conforme a trama vai revelando a natureza da catástrofe nuclear que destruiu a civilização. Enquanto mostra seu irmão Norm MacLean (Moises Arias) lentamente descobrindo que os Refúgios não são exatamente o que parecem ser, a narrativa também mostra o passado de Cooper Horward antes dos eventos apocalípticos. Para a sorte do espectador, as revelações vão sendo feitas de forma paralela e instigante, compondo um mosaico que revela a sombria natureza daquela realidade.
A conclusão é que o holocausto nuclear que deu origem ao mundo de Fallout não foi apenas o resultado do medo causado pela doutrina militar da destruição mútua assegurada, surgida durante a Guerra Fria. Para que o fim do mundo se concretizasse, também foi importante que as práticas capitalistas de grandes corporações fossem longe demais, com executivos enxergando uma oportunidade de negócios no apocalipse.
À primeira vista, pode-se dizer que os executivos da Vault-Tec desenvolvem um produto premium, o vendem para os poucos que podem pagar e tentam garantir a satisfação do cliente no longo prazo. Porém, isso é feito ao custo de bilhões de vidas humanas e de pesquisas científicas desprovidas de qualquer preocupação ética ou humanitária. Infelizmente, essa premissa é apenas uma versão exagerada de práticas comerciais e industriais comuns em nosso mundo.
Por exemplo, durante a pandemia de Covid-19, houve muitas pessoas que estavam dispostas a sacrificar muitas vidas humanas na esperança de adiantar o fim da crise sanitária. Além do resultado esperado não ser garantido, tal estratégia poderia piorar significativamente a crise ao prover mais oportunidades para o novo coronavírus sofrer mutações e se tornar mais agressivo. Há também exemplos semelhantes na História das indústrias automobilística e petrolífera, conforme escrevi na crítica do filme Nem um Passo em Falso:
A chamada smog conspiracy se formou quando as quatro grandes montadoras [automobilísticas] dos EUA prometeram ao governo que iriam pesquisar formas de reduzir a toxicidade da fumaça dos exaustores, com o objetivo de diminuir os problemas de saúde causados pela poluição, especialmente na cidade de Los Angeles. Porém, o grupo fez esforços no sentido contrário, visando atrasar o emprego de novas tecnologias, levando-o a esconder os resultados positivos obtidos e a afirmar para as autoridades que seria caro demais diminuir a poluição.
Isso lembra outros casos famosos, como os esforços da indústria do petróleo contra o trabalho de Clair Patterson, cientista que alertou o mundo sobre os efeitos nocivos da adição de chumbo à gasolina. A indústria do petróleo também escondeu do público os resultados que ela obteve sobre o aquecimento global, minimizando publicamente a severidade do problema enquanto atuava internamente para adaptar suas operações às consequências do fenômeno, como a elevação do nível dos oceanos.
Fallout também acerta ao mostrar que os executivos por trás dessas decisões não precisam ser figuras cruéis e perversas, mas apenas seres humanos que estão tentando atingir resultados sem se preocupar com as implicações éticas e morais dos produtos desenvolvidos. Enquanto Barb Howard (Frances Turner) está preocupada estritamente com a segurança das pessoas que ela ama, Bud Askins (Michael Esper) está feliz e empolgado com a “genialidade” da ideia que ele teve.
Parafraseando uma citação do filósofo Voltaire, Barb e Bud parecem acreditar que, para serem bons pais de família e profissionais, eles precisam se tornar inimigos do restante da humanidade. Isso realça todo o pessimismo dramatizado no filme Oppenheimer, com o líder do Projeto Manhattan chegando à conclusão de que ele deu à humanidade a capacidade de aniquilar a si própria.
Com roteiros afiados e visuais impressionantes, Fallout sai do mundo dos vídeos games com toda a pompa e circunstância. Além de personagens memoráveis, a trama conta com um mundo rico e extenso para ser explorado nas próximas temporadas. O episódio final deixa o cenário preparado para ainda mais mistério e ainda mais ação, acompanhando os personagens conforme eles partem em busca de novos objetivos e da reconstrução de algum tipo de civilização.