Crítica: Napoleão
Napoleon, EUA/Reino Unido, 2023
Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★☆☆☆
Essa cinebiografia adota uma abordagem promissora ao tentar desconstruir o mito de Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix), mas ela rapidamente perde o fio da meada e não consegue ser nem tão informativa quanto um documentário de História e nem tão empolgante quanto um dos trailers prometia. O resultado final pode até ser superficialmente interessante para quem não sabia nada sobre a História de Napoleão, mas alguns dos elementos mais importantes ficaram de fora.
O principal problema aqui é que a trama não escolhe nenhum ângulo em particular para nos apresentar seu objeto de estudo. Depois de uma sessão de Napoleão, o espectador não conhece o protagonista nem como estrategista militar, nem como operador político, nem como líder popular, nem como amante, nem como imperador. É como se a ideia de “desconstrução” adotada pelo diretor Ridley Scott e pelo roteirista David Scarpa se resumisse a colocar na tela uma coletânea de “piores momentos” da figura histórica.
Essa deficiência narrativa e temática poderia até ser relevada se as cenas de batalha fossem suficientemente boas para manter o espectador entretido. Porém, depois de passar boa parte da projeção mostrando apenas o relacionamento de Napoleão com sua amada Josefina (Vanessa Kirby), as cenas de ação chegam desprovidas de qualquer peso dramático. Mesmo os belos enquadramentos, a ótima direção de arte e a boa trilha sonora não são o suficiente para fazer o pulso do espectador subir durante momentos decisivos que mudaram os rumos da História do mundo.
As cenas de batalha também são prejudicadas por uma fotografia irritantemente cinzenta/azulada. A partir de determinado ponto, é como se todas as cenas estivessem sendo ambientadas logo antes do nascer do sol. Todas essa limitações apenas realçam as qualidades de outros dramas históricos, como 1917 e Mestre dos Mares, que se passa justamente durante as Guerras Napoleônicas. Até a série de fantasia histórica La Révolution faz uma representação mais visualmente interessante da França da época da Revolução Francesa.
Mesmo se desconsiderasse completamente o aspecto bélico, Napoleão ainda poderia ser um instigante thriller político sobre um jovem e ambicioso oficial corso que se aproveita do caos causado pela Revolução Francesa para projetar uma imagem de salvador da pátria e ascender até o topo do poder. Suas conquistas em termos de marketing político são quase tão impressionantes quanto suas conquistas como estrategista militar. Entretanto, o filme não nos dá nenhuma pista sobre como sua popularidade entre os soldados se converteu em uma popularidade entre a população em geral.
Nos momentos finais de Napolẽao, fica claro que os realizadores estavam tentando realçar os efeitos destrutivos das ambições do protagonista, elencando as gigantescas quantidades de mortes ocorridas nas principais batalhas travadas por ele. Porém, isso poderia ter sido feito de maneira muito mais eficaz na forma de um estudo de personagem disfarçado de thriller político.
Sob essa abordagem, seria possível explorar como as inseguranças e a busca por grandeza de um jovem da pequena nobreza resultou em um absurdo derramamento de sangue. Também seria possível realçar como uma população desesperada e traumatizada adotou um demagogo como figura paternal, depositando nele grandes esperanças para o país. Também ficariam claras as técnicas de propaganda e manipulação empregadas por ele e por seu irmão, Luciano Bonaparte (Matthew Needham), que chegou a falsificar o resultado de um plebiscito para consolidar o poder de Napoleão.
Porém, o filme deixa a impressão de que Napoleão era “naturalmente” popular e não mostra suas ações de marketing político. A trama não deixa claro que ele foi recebido de volta na França como herói mesmo depois de uma espetacular derrota na Batalha do Nilo. Nessa ocasião, a marinha britânica destruiu a frota francesa e deixou as tropas lideradas por Napoleão isoladas no Egito.
Antes de deixar o exército sob a liderança de outro general e voltar para a França, ele ainda liderou campanhas no Egito e no Levante marcadas pela brutalidade contra prisioneiros de guerra e contra a população civil. Ainda assim, apenas as notícias de suas vitórias chegavam à população francesa.
A trama de Napoleão também poderia explorar outros efeitos colaterais das ações de sua figura central. Dentre eles, destaca-se os efeitos de seu Bloqueio Continental sobre a História brasileira. Foi por causa da violação desse bloqueio que Napoleão resolveu invadir Portugal, fazendo com que a família real do país fugisse para o Brasil. A transferência da corte portuguesa para a então colônia mudaria radicalmente as trajetórias dos dois países.
Diante disso, as duas horas e quarenta minutos de duração de Napoleão representam uma grande oportunidade perdida de se jogar luz sobre uma grande figura histórica, incluindo suas origens e as consequências de suas ações. Ao invés de desconstruir o mito, a trama apenas deixa a linha que separa a lenda do homem ainda mais fosca. Se ao menos funcionasse como um grande épico de ação, a produção estaria justificada, mas também não é esse o caso.