Crítica: Jogo Justo

Fair Play, EUA, 2023



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★★★★☆


O suspense psicológico de Jogo Justo captura o espectador com uma intensidade relativamente rara. O drama e o conflito vivido pelo casal formado por Emily (Phoebe Dynevor) e Luke (Alden Ehrenreich) se torna impactante graças ao desconfortável realismo psicológico da situação. Durante a maior parte do tempo, não há um claro antagonismo entre os dois, mas sim um tóxico ressentimento nutrido por um dos lados, o que vai causando um completo colapso na vida do casal.

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A possibilidade de Luke receber uma promoção no fundo de investimento onde ele e Emily trabalham deixa o casal bem animado. Ele até promete que tentará avançar a carreira dela, ajudando-a a subir para uma posição de liderança e diminuindo o impacto negativo da revelação de que os dois colegas estão pretendendo se casar. Esse relacionamento vai contra a política da empresa, que provavelmente exigiria que um deles se demitisse por uma questão de compliance. Com os dois fazendo parte da gerência, talvez isso seria mais fácil de negociar.

Porém, quando é ela quem sobe para uma posição de liderança, o cenário fica bem diferente. Ainda que tente mostrar algum apoio inicialmente, percebe-se que Luke vai ficando cada vez mais incomodado com o sucesso de Emily e com o fato de que agora ela é a sua chefe. Assim como ele fizera antes, ela também promete ajudá-lo a subir de nível, o que serve apenas para deixá-lo com o ego ferido.

A expectativa de Luke não era apenas de que ele seria promovido, mas também a de que ele seria o profissional mais bem-sucedido naquele relacionamento. O simples fato de que Emily foi promovida antes dele já é o suficiente para disparar todo o seu ressentimento e todas as suas inseguranças. Em sua cabeça, não era assim que deveria acontecer. Em sua fantasia de sucesso, ele é um analista genial que está destinado a se tornar uma figura semelhante a Campbell (Eddie Marsan), o proprietário do fundo.

Percebe-se também que Emily até fica parcialmente incomodada com o fato de que ela foi promovida ao invés dele. Se as expectativas de Luke fossem atendidas, ele certamente ficaria mais tranquilo e o relacionamento entre os dois ficaria mais saudável. Porém, se a única forma de manter o equilíbrio com seu parceiro (ou parceira) é garantindo que todas as expectativas dele sejam atendidas, isso já é um péssimo sinal. Enquanto algumas expectativas podem ser razoáveis, outras podem ser completamente irreais.

Uma pessoa madura deveria ser capaz de lidar com uma frustração como essa de forma adulta e saudável. A frustração ainda estaria presente, mas ela seria apaziguada pela felicidade que a pessoa sentiria pelo seu parceiro. Em um cenário como o de Luke e Emily, a promoção de qualquer um dos dois é, inegavelmente, um benefício para o casal. Porém, em Jogo Justo, as atitudes de Luke se tornam completamente irracionais e autodestrutivas.

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Uma vez que realmente acredita ser mais competente que Emily, Luke, assim como outros homens na empresa, chega a se perguntar se ela realizou favores sexuais para poder avançar na carreira. A questão é que chefes assim existem, mas Campbell está muito mais interessado em garantir o sucesso de seu negócio do que em usar sua posição de liderança de forma tão mesquinha e medíocre. Na cabeça de Luke e dos outros colegas, uma decisão puramente meritocrática beneficiaria algum deles, e não a “moça bonita” do escritório. Eles acham que, por ela ser bonita, não há como ela ser mais competente do que eles.

Diante desse nível de ressentimento, Luke se torna mais impulsivo e a qualidade das suas decisões (tanto profissionais quanto pessoais) começa a diminuir. Para piorar, isso afeta inclusive a qualidade do trabalho de Emily, que cede às pressões exercidas por ele na tomada de algumas decisões de investimento. Além de induzi-la ao erro, ele também a leva a duvidar de sua própria capacidade e imagem profissional. Ela só se recupera desses problemas quando volta a confiar em sua própria habilidade como analista, que foi o motivo pelo qual ela foi promovida em primeiro lugar.

Os maiores erros cometidos por Emily em Jogo Justo foi demorar em perceber o quão instável Luke estava se tornando e, posteriormente, tentar conciliar uma carreira de sucesso com um parceiro inseguro e sabotador. Não se trata de escolher o sucesso profissional em detrimento de sua vida amorosa, mas sim de perceber que se Luke lidou dessa forma com uma frustração como essa, outros comportamentos tóxicos certamente surgiriam ao longo do tempo. Ainda assim, é difícil culpá-la por acreditar que o amor que Luke sente por ela é inabalável.

A trama de Jogo Justo lembra séries como Industry e Succession, além de outros filmes com histórias que misturam vida pessoal e negócios. A história também exemplifica algumas das consequências de como a sexualidade masculina se desenvolve e de como ela planta em muitos homens a ideia de que eles são inerentemente superiores às mulheres. Isso faz com que o filme tenha paralelos até mesmo com Holy Spider, uma produção que conta a história real de um serial killer iraniano.

Com a ajuda de performances hipnotizantes de Dynevor e Ehrenreich, Jogo Justo mostra que talvez as políticas corporativas que proíbem relacionamentos amorosos entre colegas de trabalho realmente sejam necessárias. Se as pessoas fossem mais maduras e conseguíssem estabelecer limites saudáveis entre o pessoal e o profissional, essas regras realmente não fariam sentido. Porém, uma vez que nem todas as pessoas têm um bom nível de inteligência emocional, ainda é mais seguro tentar evitar esse tipo de situação.