Crítica: Holy Spider

Ankabut-e moqaddas, Alemanha/Dinamarca/França/Suécia, 2022



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★★★★☆


Em Holy Spider, a investigação conduzida pela jornalista Rahimi (Zar Amir-Ebrahimi) é fictícia, mas os assassinatos que ela está tentando desvendar foram bem reais. O assassino em série Saeed Hanaei (Mehdi Bajestani) agiu na cidade iraniana de Mexede durante os anos de 2000 e 2001, fazendo dezesseis vítimas fatais. No filme, o ponto de vista de Rahimi serve para apresentar ao público uma situação que é bem mais complexa do que aparenta, e que não pode ser resumida a um assassino mentalmente desequilibrado. Além da psicopatia de Hanaei, a trama nos mostra a “psicopatia” da sociedade ao seu redor.

holy spider 1Os métodos e o perfil psicológico de Hanaei são bem semelhantes aos do assassino no centro da série The Fall. Nos dois casos, os criminosos são maridos e pais de família que parecem estar acima de qualquer suspeita, mas que escondem uma violenta misoginia. Isso não é exatamente uma coincidência, mas sim um padrão comum em outros assassinos seriais e autores de feminicídio, como no caso real dramatizado no filme Sangue no Gelo. Diante de frustrações pessoais, eles se entregam a um impulso quase infantil de destruir aquilo que não podem ter ou que acreditam que não deveriam desejar.

Em ambas produções, os assassinatos são mostrados em toda sua perturbadora e covarde violência, adotando o ponto de vista dos assassinos e revelando boa parte de suas inseguranças, contradições e racionalizações. Essa violência explícita serve para mostrar a diferença entre a realidade da situação e a forma como o assassino a enxerga. Para o criminoso de The Fall, ele está “purificando” as vítimas. Para Hanaei, ele está travando uma “guerra santa” contra mulheres “corruptas”, já que suas vítimas são prostitutas locais, a maioria usuária de drogas.

Essa racionalização da violência é o outro grande assunto no qual Holy Spider está interessado. Para não ter que lidar com suas frustrações sexuais e profissionais, Hanaei utiliza justificativas morais e religiosas, que também são aceitas pela conservadora sociedade na qual ele está inserido. Para sua surpresa, parte da população da cidade sagrada de Mexede vê seus crimes como atos de heroísmo, e ele passa a utilizar essa popularidade como parte de sua defesa. Mais que isso, ele passa a ser visto como um exemplo a ser seguido.

holy spider 2Esse apoio popular à violência nos lembra de outros casos reais, como os mostrados em filmes como O Ato de Matar e Os Gritos do Silêncio, que refletem sobre os massacres na Indonésia a partir de 1965 e o genocídio cambojano a partir de 1975. No caso indonésio, os assassinos em massa, que cometeram óbvios crimes contra a humanidade, são até hoje considerados heróis nacionais. O que essas ocorrências têm em comum com o caso mostrado em Holy Spider é a tendência das pessoas comuns em apoiar e justificar quaisquer tipos de violência contra grupos vistos como imorais, inúteis ou, de alguma outra forma, indesejáveis.

Dessa forma, as tendências homicidas individuais de pessoas como Hanaei ou de outros tipos de assassinos acabam encontrando acolhimento em uma opinião pública sedenta por sangue. Independente do extremismo ser de natureza religiosa ou política, o importante é que ele possa ser utilizado como justificativa para a violência contra grupos ou pessoas vistos como “inimigos”. E assim, sociedades que se consideram justas e civilizadas acabam encorajando assassinos e genocidas a concretizarem suas destrutivas fantasias.

Se a História nos mostra algo, é que toda ideologia, por mais pacifista que seja, mais cedo ou mais tarde acaba sendo utilizada para justificar terríveis atos de violência. Isso não é um reflexo da natureza das ideologias, mas sim um reflexo da natureza da humanidade, que parece estar sempre tentando resolver os mais variados problemas por meio da eliminação de pessoas.

Holy Spider mergulha o espectador em um sombrio, tenso e estiloso pesadelo nas escuras ruas e na patriarcal sociedade de Mexede, evidenciando problemas que são frequentes em muitas outras partes do mundo. Além disso, a temática dialoga diretamente com o Irã dos dias atuais, no qual a morte da jovem de 22 anos Jina Mahsa Amini após ser presa pela polícia moral do país resultou em uma onda de protestos que ainda está sendo reprimida.