8 Filmes Que Ajudam a Entender Como Surgem os Regimes Autoritários
1. A Onda
Quando um professor de história não consegue explicar pra sua turma que governos autocráticos ainda são perfeitamente possíveis em sociedades modernas, ele resolve fazer um experimento prático do qual rapidamente perde o controle. Em menos de uma semana, uma turma de adolescentes como qualquer outra se transforma em um fiel grupo de soldados defensores de uma nova doutrina, dispostos a ir até as últimas consequências em nome de seu líder e de sua ideologia.
O que o professor faz pra causar tamanha transformação é mais do que apenas estabelecer regras e normas de conduta: ele convence seus alunos de que eles, por fazerem parte daquele grupo, são melhores que os outros. A chave aqui é o sentimento de superioridade, que também está na raiz do fascismo. Muitos estudiosos consideram que para um movimento ser chamado de fascista ele precisa ter uma raiz no preconceito étnico, levando uma parte da população a considerar todos que não se identificam com ela como inferiores e indesejáveis. Algo semelhante pode ser visto no “experimento dos olhos azuis” de Jane Elliott. Professora de uma classe de 3ª série inteiramente branca, ela consegue em apenas um dia convencer os alunos de olhos azuis que os colegas de olhos castanhos são inferiores, e não tem dificuldade em inverter o experimento no dia seguinte, quando os de olhos azuis são os considerados mais “lentos”.
Enquanto movimentos fascistas geralmente tem suas raízes na extrema direita, a história mostra que a extrema esquerda também é capaz de produzir os mesmos resultados. Grupos como o Khmer Vermelho no Camboja e a Guarda Vermelha chinesa chegaram ao extremo de prenderem e torturarem pessoas apenas por possuírem um diploma de nível superior ou usarem óculos (!), sob o pretexto de que essas pessoas passaram tempo demais lendo livros ao invés de trabalhar na terra e ajudar o país e a revolução. Já o movimento iniciado na Venezuela dos anos 1990 por Hugo Chavez parece ter finalmente se transformado em uma completa ditadura em 2017.
Apesar de se passar na Alemanha dos anos 2000, A Onda é baseado no experimento social conhecido como A Terceira Onda, realizado pelo professor Ron Jones em Palo Alto, Califórnia, no mês de abril de 1967, obtendo resultados semelhantes aos mostrados no filme, ainda que menos dramáticos.
2. Hannah Arendt: Ideias Que Chocaram o Mundo
Essa cinebiografia mostra o período da vida de Hannah Arendt no qual ela formou sua teoria sobre a banalidade do mal. Ao cobrir o julgamento de criminosos nazistas, Arendt chegou à conclusão de que aqueles não eram os monstros sem coração que ela esperava. Ao invés disso, os réus se apresentavam como meros burocratas a serviço do Estado, se limitando a cumprir as ordens passadas por seus superiores e atribuindo a esses quaisquer responsabilidades.
Essas pessoas participaram, de forma direta ou indireta, do extermínio de milhões de outras, e ainda assim se consideravam quase que completamente isentas de culpa. Como isso pode ser possível? A resposta está no próximo filme desta lista.
3. Experimentos
Experimentos, por sua vez, mostra o período da vida de Stanley Milgram no qual ele realizou e colheu os frutos (e a polêmica) de seus famosos experimentos sociais. Neles, Milgram foi capaz de levar cidadãos normais a acreditar que estavam provocando uma imensa quantidade de dor em seus parceiros de experimento. Os choques elétricos causados pelos participantes não eram reais, mas a obediência deles sim. Por mais que reclamassem com o supervisor que o experimento poderia estar matando a outra pessoa, a maioria deles foi até o fim, acreditando estar aplicando choques de até 450v nos outros participantes.
E eles foram até o fim acreditando que não eram responsáveis por aquelas ações. Por mais que fossem seus dedos apertando o botão, eles acreditam que a responsabilidade pelo bem estar da outra pessoa caía apenas sobre o supervisor, e não sobre si próprios. De seus pontos de vista, eles não tem outra opção a não ser obedecer a autoridade na sala. Apenas um terço dos participantes interrompeu a sessão e não se mostrou disposto a continuar machucando um completo desconhecido. Será a obediência o nosso grande vilão?
4. V de Vingança
V de Vingança mostra como é fácil conseguir obediência através do medo. Chocada por um suposto atentado terrorista de proporções nunca antes vistas, a população da Grã-Bretanha busca a sensação de segurança numa figura autoritária, o Alto Chanceler, dando-lhe poderes absolutos e abrindo mão de muitos de seus direitos civis.
Esse é um tema que vem sendo muito discutido desde os atentados de 11 de Setembro nos EUA, o que levou o governo a restringir certos direitos civis em nome da segurança. Ironicamente, foi Benjamin Franklin, um dos fundadores dos EUA, que disse: “Aqueles que abrem mão da liberdade em nome da segurança não terão, e não merecem, nem uma e nem outra.” Movimentos semelhantes são vistos em outras partes do mundo (como nas Filipinas de Rodrigo Duterte), inclusive no Brasil.
Na graphic novel no qual V de Vingança é baseado ficam claros quais são alguns dos principais aspectos de um governo autoritário. As instituições chamadas de “O Olho” e “A Orelha” são responsáveis pelo aparato de vigilância do governo, envolvendo câmeras e escutas escondidas. “O Nariz” é a frente investigativa, enquanto “O Dedo” é a força de segurança pública que funciona como uma polícia política. O Alto Chanceler também controla o braço religioso do Estado, além de contar com uma frente de propaganda conduzida especialmente pelo programa de rádio “A Voz do Destino”, responsável por manter a população assustada e disposta a aceitar o governo autoritário.
5. Negação
Negação mostra o quão importante é para radicais e extremistas fazer a narrativa deles se tornar aceitável. Ao negar a ocorrência do Holocausto, o autor David Irving tenta revitalizar a ideologia nazista no Reino Unido e no mundo. Dizendo estar apenas apontando a falta de provas sobre o programa de extermínio (enquanto ignora a falta de provas que fundamentem suas próprias afirmações), ele embarca em uma campanha de desinformação que dura até os dias atuais. Recentemente, o autor foi flagrado participando de uma reunião secreta de neo-nazistas, na qual começou sua fala agradecendo aos organizadores por garantir que haviam “apenas rostos brancos na audiência”.
Para mais detalhes sobre Negação, veja a crítica aqui.
6. O Ato de Matar
Uma vez que o governo ou extremistas convencem a população a culpar um determinado grupo pelas mazelas do país, a situação piora rapidamente. O documentário O Ato de Matar mostra, em parte, como a população da Indonésia passou a considerar heróis os homens responsáveis pelo massacre de centenas de milhares de chineses no país, sob o pretexto de serem comunistas. Os assassinos só percebem que há algo de errado no que fizeram quando, durante a filmagem desse documentário, são confrontados com seus próprios atos.
Alguns dos grupos paramilitares surgidos na época ainda estão na ativa e tem o apoio de parcela significativa da população, que segue com medo da ameaça comunista. Leia um pouco mais sobre isso aqui.
7. Ele Está De Volta
Ele Está de Volta é uma comédia que tenta imaginar o que aconteceria se Adolf Hitler fosse simplesmente transportado para a Alemanha do Século XXI. Visto inicialmente como um imitador cômico do notório ditador, suas ideias vão gradualmente sendo aceitas por parte da população, a ponto de torná-lo uma considerável força política e midiática. Enquanto parte do povo vê seus discursos televisivos como uma piada de mal gosto e uma parte apenas ri daquele “palhaço”, uma outra parcela, além de achar engraçado, acredita que o que ele diz realmente faz sentido e passa a apoiá-lo. Para essas pessoas, o “imitador” é a figura autoritária que eles precisam para “salvar” o país.
Essa atitude, que pode ser resumida como “ok, ele é meio maluco, mas não tem medo de falar a verdade” (onde “a verdade” é representada por sentimentos de racismo, xenofobia, homofobia, dentre outros, que muitas pessoas não estão dispostas a explicitar elas mesmas), vem ocorrendo em diversos países democráticos, como no Brasil e nos EUA, onde levou a eleição do (claramente incapaz) bilionário Donald Trump como presidente do país.
8. Get Me Roger Stone
A eleição de Donald Trump é o ápice de uma história muito mais sombria, parcialmente contada no documentário Get Me Roger Stone. Enquanto alguns dos filmes anteriores focam na susceptibilidade das pessoas a buscarem e obedecerem figuras autoritárias, neste vemos um homem especializado em fornecê-las. Roger Stone é um operador político que surgiu durante o governo Nixon e é um dos principais responsáveis pelas atuais “regras do jogo” do processo eleitoral norte americano. Ele estava desde os anos 1980 tentando convencer o carismático Trump, especialista em se apresentar (para os mais ingênuos) como uma pessoa inteligente, a concorrer ao cargo. Stone faz isso não por alguma tendência ideológica, mas porque Trump é o candidato de seus sonhos, que sabe exatamente o que dizer para provocar, em grande parte das pessoas, a reação que ele deseja.
E “reação” é uma das palavras-chave aqui. Não é do interesse de um manipulador profissional que as pessoas parem para refletir e meçam as consequências de seus atos e ideias. O demagogo obtém sucesso quando as pessoas passam a tomar decisões com base em seus sentimentos mais intensos, especialmente o medo e a paranoia (sobre isso, recomendo essa crítica de Ao Cair da Noite). As reações desesperadas do eleitor médio podem ser facilmente gerenciadas e utilizadas como ferramentas por homens como Stone. A insatisfação política passa a ser nada mais que um recurso nas mãos de um sociopata.
Como já dito, Stone não parece ter uma orientação ideológica. Ele apenas deseja ganhar, não importa quais sejam os custos. Pragmático, o filme o mostra em um momento participando de uma parada gay e em outros disparando ofensas homofóbicas. Tudo em nome da popularidade. Assim como Trump, ele diz e promete tudo o que for necessário para obter a reação que ele quer imediatamente, sem se preocupar em manter, no momento seguinte, nenhuma consistência com o que foi falado anteriormente. Há algo absolutamente niilista em sua personalidade.
Trump e Stone também compartilham uma notória fragilidade. Mais do que tudo, eles querem ser aceitos e respeitados. No fim das contas, são apenas homens inseguros em busca de atenção, seja ela positiva ou negativa. O problema é quando esse desenfreado desejo por atenção coloca em risco a civilização e as vidas de milhões de pessoas.