10 Perguntas (e respostas) que explicam o que é uma Ditadura


Recentemente, a revista americana Wired lançou um vídeo no YouTube no qual a professora de História e pesquisadora do autoritarismo Ruth Ben-Ghiat responde várias perguntas sobre ditaduras, ditadores e sobre as várias facetas de regimes autoritários. Além de explicar os conceitos, ela os exemplifica tanto com eventos históricos quanto com acontecimentos que ainda estão presentes no noticiário.

As 10 perguntas e respostas abaixo tentam resumir parte do que a especialista explicou. Confira!

ditadura - imagem do filme o grande ditador

Cena do filme O Grande Ditador (1940)

1. O que é um ditador?

Em resumo, um ditador é alguém que quer ter poderes ilimitados sobre a política, a economia e a sociedade de um país. Ele não concorda com o estado de direito e com a separação entre poderes, além de não se preocupar com os interesses da população e de manipular as pessoas através de propaganda.

Como se considera mais importante e mais digno de poder do que qualquer outra pessoa, ele não aceita que seu poder seja limitado, fiscalizado ou contrabalanceado por nenhuma outra instituição.

2. Qual a principal característica da personalidade dos ditadores?

Para começar, eles geralmente são narcisistas e se consideram o centro do mundo. Além disso, precisam ser adorados e tendem a ser carismáticos e cativantes, seja durante uma conversa casual ou um grande discurso. Também costumam ser paranoicos, o que os leva a se cercarem de pessoas extremamente leais e obedientes a eles, já que não aceitam serem questionados ou contrariados.

Geralmente, é essa característica que os leva a ruína. Depois de um tempo, eles começam a acreditar na própria “fantasia” e não possuem ninguém para apontar os erros que estão cometendo.

Além disso, os ditadores não possuem um verdadeiro código moral, pois estão dispostos a se alinhar com qualquer pessoa ou facção para garantir sua permanência no poder. Nesses momentos, eles tendem a tentar equilibrar a necessidade de lealdade inquestionável com a necessidade de se unir a pessoas que possam garantir o seu domínio.

3. Por que ditadores fazem grandes comícios e estátuas?

Os ditadores são extremamente egocêntricos, assim como inseguros. Eles precisam o tempo inteiro estar reafirmando o quão grandiosos são, até o ponto no qual eles mesmos passam a acreditar nessa grandiosidade.

Por um lado, eles querem ser vistos como homens do povo; como gente como a gente; como pessoas comuns que usam as mesmas palavras e as mesmas expressões que o povão.

Porém, eles também querem ser vistos como figuras quase divinas, que estão acima de qualquer pessoa. Se colocam como salvadores, seja contra ameaças reais ou contra ameaças criadas/aumentadas por suas narrativas.

É por isso que geralmente recorrem a um culto de personalidade, transformando a própria imagem em um símbolo nacional que precisa ser amado e respeitado pelos “verdadeiros” patriotas. Se eles gostam de falar para grandes multidões, é porque nessas situações eles podem sentir todo aquele amor e empolgação em primeira pessoa, o que aplaca as suas inseguranças.

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4. Como os ditadores chegam ao poder?

À moda antiga, os ditadores podiam ser apontados por reis ou podiam ser alçados ao poder por revoluções. Mais recentemente, é mais comum que os ditadores cheguem ao poder por meio de golpes de estado ou mesmo por meio de eleições. Nesse último caso, eles geralmente recorrem ao que se chama de autogolpe, que é quando o ditador utiliza alguma desculpa para desrespeitar as regras democráticas e se recusa a sair do poder.

No vídeo, a historiadora explica a ascensão de Hitler como exemplo de chegada de um ditador ao poder. Ele foi preso depois de tentar um golpe de estado em 1923, o Putsch da Cervejaria. Depois de ser solto, Hitler seguiu espalhando seu discurso de ódio, o que o levou a ser proibido de discursar em alguns lugares. Para voltar a “pregar”, ele prometeu que respeitaria a constituição e moderou a sua retórica, podendo então construir e fortalecer o partido nazista ao longo dos anos 1920.

Porém, o partido nazista ainda era uma exótica novidade. Sua sorte virou no início da década de 1930, quando as elites alemãs, com medo do avanço de movimentos sociais e da esquerda durante a Grande Depressão, apoiaram o apontamento de Hitler como chanceler. Hitler realmente fez o “trabalho sujo” de se livrar da esquerda, mas então ele recorreu a um autogolpe e se tornou muito mais poderoso do que as elites gostariam.

Como exemplos mais recentes de tentativas de autogolpe, a professora cita o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos em 2021, a tentativa de autogolpe no Peru em 2022, os ataques de 8 de janeiro de 2023 em Brasília e a imposição de lei marcial na Coreia do Sul em 2024. Outro caso notável foi o autogolpe na Venezuela em 2017, que foi bem-sucedido.

5. Como os ditadores se mantêm no poder?

Enquanto sua popularidade está crescendo, o ditador vai tentando garantir que a credibilidade dos jornalistas vá diminuindo. Eles precisam que o público não acredite no jornalismo ou em qualquer pessoa que revele a corrupção ou a incapacidade do governo. Ao invés de um público que fiscalize suas ações, o que ele deseja é um público que o apoie cegamente e que não possua pensamento crítico.

Além disso, os ditadores criam um ambiente de medo, com ameaças e ataques físicos, legais e psicológicos contra jornalistas e críticos. O objetivo não é matar ou prender todos os opositores, mas sim criar um clima de insegurança e apreensão, levando possíveis críticos a se autocensurarem e a evitarem discordar do ditador.

6. Como os ditadores ganham dinheiro?

O que a História nos diz é que, por não serem fiscalizadas por outros poderes, as ditaduras andam de mãos dadas com a corrupção. No vídeo, a professora cita o exemplo de Vladmir Putin, que, depois de 20 anos no poder na Rússia, pode ter se tornado um dos homens mais ricos do mundo.

Outro exemplo “clássico” é o de Augusto Pinochet, ditador chileno cuja família recebeu uma ordem da justiça para devolver parte do montante desviado durante os anos de chumbo.

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7. Qual a diferença entre uma ditadura fascista e uma ditadura comunista?

Tanto as ditaduras fascistas quanto as ditaduras comunistas acreditam em um Estado totalitário, que está presente em todos os aspectos da vida dos cidadãos. Contam com líderes com poderes praticamente absolutos e fazem uso pesado de propaganda para se justificarem, aplicando técnicas como o culto de personalidade e o apelo ao medo.

A diferença entre as duas está nos alvos prioritários. As ditaduras fascista (na Itália) e nazista (na Alemanha) tiveram como alvos principais as esquerdas e grupos minoritários como judeus e homossexuais. Já as ditaduras comunistas vão atrás de qualquer um que seja considerado um contrarrevolucionário, sejam pessoas de direita, liberais, religiosos ou, em alguns casos, intelectuais.

8. Por que algumas pessoas querem viver em ditaduras?

Em primeiro lugar, muitas pessoas desiludidas com os problemas e as falhas das democracias acreditam que ter um líder ditatorial deve resolver os problemas do país. Esse “líder forte” acaba tendo um papel paternal no imaginário de parte da população, servindo como uma figura infalível e provedora que está ali para protegê-la e amá-la.

Além disso, muitas pessoas possuem personalidades ditatoriais e controladoras. Quando alguém com as mesmas características possui chances de chegar ao poder, essas pessoas se sentem representadas.

De acordo com a professora Ruth Ben-Ghiat, uma vez que já possuem uma visão autoritária do mundo, elas são facilmente seduzidas por um líder que chega e diz: “Eu sou um homem forte. Eu vou decidir as coisas por você. Eu vou trazer ordem para a sociedade”.

9. Por que os ditadores sempre culpam os outros pelos problemas do país?

Os ditadores precisam criar medo e um senso geral de ameaça existencial. Eles recorrem a estratégias que comunicam que “é nós ou eles”, ou “se o outro não for derrotado, será o nosso fim”. Dessa forma, a população amedrontada vai continuar apoiando o “homem forte” que prometeu que lhes manteria seguros e que resolveria todos os problemas do país.

E assim, quando essas promessas não são cumpridas, o ditador pode simplesmente continuar culpando os “inimigos”. Ele recorre a frases como “nossos inimigos são terríveis” ou “nossos inimigos não descansam”. O país e o povo são sempre mostrados como vítimas dos “inimigos”, quando na realidade é o ditador que não está oferecendo nenhum tipo de solução prática e eficaz.

10. Existem ditadores benevolentes?

Por definição, os ditadores precisam reprimir uma parte da população, além de geralmente não permitirem eleições ou a existência de uma imprensa livre. Se você concorda com a ideologia ou idolatra o ditador, talvez você o considere “benevolente”. Porém, se você é um opositor do governo, você pode ser preso, morto ou extraditado.

Atualmente, existem países que não são completas ditaduras, mas que podem ser considerados regimes autoritários.

No vídeo, a professora cita o exemplo da Hungria de Viktor Orbán. Nesse caso, a imprensa não é reprimida, mas foi inteiramente comprada pelos empresários apoiadores do presidente; há eleições, mas o mesmo presidente sempre é reeleito, o que também é o caso da Rússia de Putin e da Venezuela de Maduro.