10 Motivos pelos quais Tropas Estelares é uma sátira do Fascismo
Enquanto filmes como O Conformista e A Onda fazem ótimos mergulhos na mentalidade fascista, nenhum outro filme é tão intenso e tão satírico quanto Tropas Estelares. Nele, uma comicamente exagerada sociedade militarista molda seus jovens para servir a um único propósito.
Para muitos que o assistiram na época do lançamento (ou nas muitas reprises no SBT), esse não era nada mais do que um filmaço de ação sobre soldados que cruzam a galáxia para enfrentar terríveis alienígenas, muito similares a insetos ou aracnídeos.
Porém, o que muitos outros espectadores perceberam ao longo do tempo é que Tropas Estelares é acima de tudo uma sátira do fascismo, mostrando como jovens que acabaram de sair da escola são conquistados por uma ideologia que remove deles toda a capacidade de pensamento crítico.
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Os dez pontos abaixo revelam as formas mais óbvias e mais sutis que a narrativa utiliza para construir essa sátira.
1. Nós contra eles
Um dos elementos básicos que regimes fascistas (e que outros tipos de regimes autoritários) necessitam para se justificar é um grande inimigo, geralmente considerado um “inimigo do povo”. Em Tropas Estelares, esse grande inimigo é uma raça alienígena que parece estar colonizando a galáxia.
O único problema é que o filme não oferece nenhuma prova disso. Como a narrativa tenta emular um filme de propaganda, os “insetos” sempre são apresentados como vilões que estão planejando destruir a humanidade. Porém, em determinados momentos, há sinais de que foi a humanidade quem fez o primeiro ataque e está em uma missão de colonização do planeta alienígena.
Ou seja, os seres humanos é que são a força invasora.
Além disso, enquanto os “insetos” são considerados burros e inferiores, eles também são considerados capazes de lançar meteoros a partir do outro lado da galáxia direcionados ao planeta Terra. Além de exigir cálculos altamente complexos, esse feito também teria que ter sido iniciado há, pelo menos, muito milhares de anos. Indo além, não há sinais da presença dos alienígenas em solo terráqueo.
Independente da real natureza dos “ataques” alienígenas, ao apresentá-los como um grande inimigo, a Federação dos Cidadãos Unidos abre as portas para inúmeros tipos de manipulação política.
2. Estética nazista e fascista
O ponto menos sútil da sátira de Tropas Estelares é a forma como o filme se inspira em uniformes e símbolos dos movimentos político-militares que dominaram a Alemanha nazista e a Itália fascista. Essa é uma escolha que tenta comunicar ao público que, talvez, o grupo de militares que acompanhamos ao longo da trama não são os heróis dessa história.
3. Propaganda militarista
O filme é montado nos moldes de uma propaganda militarista, claramente se inspirando em vídeos de recrutamento das forças armadas dos EUA e em vídeos de propaganda nazista, como o filme O Triunfo da Vontade. A ideia é que esse material cause uma resposta emocional nas pessoas e as levem a se juntar às forças armadas.
Indo além, o diretor Paul Verhoeven (cuja infância foi marcada pela ocupação nazista da Holanda) fez questão de utilizar atores e atrizes belos e atraentes, emulando os padrões de beleza preferidos pela propaganda nazista. Dessa forma, o filme mostra jovens bonitos e atraentes viajando pelo espaço e vivendo aventuras e casos de amor enquanto cumprem seu dever como militares.
Por outro lado, a violência chocante à qual esses jovens irão se sujeitar só é mostrada como forma de incentivar um desejo de vingança, nunca para alertá-los sobre os perigos por trás do serviço.
4. Nacionalismo acima de tudo
O ultranacionalismo comum em regimes fascistas também está presente na trama de Tropas Estelares. Os jovens cadetes são incentivados a deixarem de lado quaisquer outras prioridades em suas vidas, se isolando de quaisquer familiares ou amigos que não concordem com os pontos de vista patrióticos e militaristas.
A ideia é: quem não está conosco, está contra nós. Isso lembra, inclusive, a propaganda da ditadura militar brasileira, que foi marcada por bordões como “Brasil: Ame-o ou deixo-o!” e “Quem não vive para servir ao Brasil, não serve para viver no Brasil”.
Como parte de seu esforço de propaganda, o filme também dá a entender que o maior (ou o único) problema enfrentado pela humanidade naquele momento são esses alienígenas que estão do outro lado da galáxia. Temas como economia, política, saúde, segurança pública, desigualdade social e recursos naturais parecem não existir; só a guerra e o patriotismo importam.
5. Superioridade dos “verdadeiros” cidadãos
No universo do filme, apenas as pessoas que prestam serviço militar ou algum outro tipo de serviço ao governo federal é que são considerados cidadãos (as outras são meros “civis”). E apenas os cidadãos possuem direitos básicos, como o direito de votar e o direito a uma educação financiada pelo governo.
Os civis, por outro lado, podem ter dificuldades até no momento de adquirir uma licença para ter filhos. Ser civil só não é um problema para as famílias ricas, que podem pagar pelos serviços que o governo federal oferece gratuitamente para os cidadãos.
Esse tipo de divisão entre cidadãos de primeira classe e cidadãos de segunda classe é bem típica de regimes fascistas, que tendem a recompensar a obediência cega de seus seguidores mais fanáticos.
6. Trivialização da violência
A principal ferramenta de resolução de problemas dos fascistas é a violência. Quando essa ferramenta falha, a solução adotada geralmente envolve ainda mais violência. Veja que esse é o tipo de “solução” que tenta fazer o problema “desaparecer”, ao invés de realmente lidar com as raízes da situação e propor uma resolução sustentável.
Essa defesa da violência é feita por vários dos professores dos personagens de Tropas Estelares. O que isso revela é uma crença na imposição de ideias, e não no debate delas. Como não possuem os argumentos necessários para mostrarem que estão corretos, o que lhes resta é eliminar ou punir todos aqueles que discordam deles.
A violência também é defendida como forma de “esmagar” aqueles considerados inferiores, reforçando a suposta superioridade dos agressores.
Tudo isso colabora para a violência passar a ser vista como algo cotidiano e trivial, o que o filme reforça ao mostrar as violentas mortes e desmembramentos tanto dos “insetos” quanto dos humanos.
7. Pulsão de morte
Diante da realidade de Tropas Estelares, na qual o serviço militar está no centro das vidas das pessoas, a morte precisa ser ressignificada como uma fonte de glória, grandeza e heroísmo. A educação e a propaganda fascista dão a esses jovens vários motivos pelos quais morrer, mas pouquíssimos motivos pelos quais viver e buscarem paz e felicidade.
Essa pulsão de morte também pode ser utilizada como um “argumento” em favor da ideologia, ou mesmo como uma prova de convicção. A ideia seria: “eu estou tão certo que estou disposto a morrer pelas coisas nas quais acredito”.
Um outro raciocínio possível: “se eu estou disposto a morrer pelas coisas nas quais acredito, isso é um sinal, ou mesmo uma prova, de que as minhas crenças estão corretas”.
Em suma, a morte e a violência são vistas como substitutas para a lógica e para o debate de ideias.
8. Emoção sufocando o pensamento crítico
A propaganda da Federação dos Cidadãos Unidos está sempre tentando deixar claro que a ameaça oferecida pelos “insetos” é imediata e emergencial. O inimigo parece estar sempre presente e avançando. Dessa forma, as pessoas começam a tomar decisões com base exclusivamente no medo, excluindo qualquer análise mais racional.
Quando um grande “ataque” ocorre na cidade de Buenos Aires, a tragédia é utilizada para insuflar um desejo de vingança e para deixar os soldados ainda mais motivados para a batalha. A história oficial é que o meteoro que atingiu a cidade foi enviado pelos “insetos”.
Porém, o mais provável é que as defesas da Terra falharam ao tentar interceptar um meteoro qualquer (ou o deixaram passar propositalmente) que não tinha como ter sido enviado pelos alienígenas. A questão é que todas as explicações, sobre qualquer evento, oferecidas pelo governo central sempre visam culpar os alienígenas e justificar o esforço de guerra.
9. Obediência em detrimento do pensamento individual
Dessa maneira, a Federação molda soldados incapazes de questionar o sistema do qual eles fazem parte. Focados em avançar as próprias carreiras e em realizar os próprios sonhos, eles enxergam na obediência um caminho para o sucesso.
A “beleza” desse sistema é que, mesmo nessas condições, os soldados realmente acreditam nas ilusões de que são completamente livres e que estão construindo um mundo (ou uma galáxia) melhor. O que eles não enxergam é que todas as suas decisões foram guiadas por incentivos socio-econômicos e que eles foram condicionados a jamais questionar a liderança militar. Basicamente, eles tinham poucas ou nenhuma opção fora das fornecidas pela Federação.
Nesse sentido, Tropas Estelares acaba se aproximando do conceito de banalidade do mal. O termo foi criado pela filósofa política Hannah Arendt para explicar que o criminoso nazista que ela entrevistou não era um “monstro” sádico ou antissemita. Ele era apenas um burocrata que queria avançar em sua carreira e que, por esse motivo, seguia as ordens recebidas sem refletir sobre o sofrimento que elas iriam causar.
10. Controle mental
A trama de Tropas Estelares inclui um personagem telepata que, inicialmente, consegue controlar as ações de pequenos animais. No ato final, ele já é capaz de controlar as ações do protagonista Johnny Rico (Casper Van Dien), ajudando-o a encontrar seus amigos.
Esse elemento de fantasia serve como alegoria para o real objetivo do regime fascista. Rico é o modelo ideal de cidadão para a Federação, já todas as suas ações e escolhas de vida podem ser ditadas pelo governo central. Isso permite que ele, que foi sendo promovido conforme seus superiores eram mortos pelo inimigo, seja utilizado como uma peça descartável no campo de batalha e ainda se sinta imensamente grato por isso.
Em uma entrevista em 2014, um dos atores de Tropas Estelares disse que, durante as filmagens, perguntou a Verhoeven o motivo pelo qual o diretor estava fazendo um filme fascista. A resposta foi:
Se eu disse ao mundo que um jeito fascista de fazer as coisas não funciona, ninguém me dará ouvidos. Então eu vou fazer um perfeito mundo fascista: todo mundo é lindo, tudo é reluzente, todo mundo tem armas grandes e naves extravagantes, mas a coisa toda serve apenas para matar insetos!